Caro amigo,
Devo lhe agradecer por ter
me inserido no grupo de WhatsApp. O grupo tem muitas pessoas das quais gosto
muito, inclusive, você. Mas, devo pedir desculpas porque, bêbado, perco o
controle e desabafo, às vezes, sequer lembro da “indelicadeza” cometida.
Quando éramos Cadetes na ESFO/APMG,
tornei-me amigo de um Médico Residente que ali trabalhava e ele me diagnosticou
como alcoólatra, curiosamente bebia comigo. Foi ele quem me disse que um dos
sintomas do alcoolismo é a amnésia etílica, por isso, muitas vezes peço
desculpas sem saber exatamente de quê estou falando.
Perdão e, pior, lembro que
fui grosseiro ao relembrar que disse que “às vezes, pareço esquizofrênico”.
Desculpe-me, mas pareço bêbado mesmo, com todas as intempéries da embriaguez.
Mas, não me furto publicamente à minha embriaguez.[1]
Como Nietzsche via na sua deficiência um desejo de potência, vejo
nos meus defeitos oportunidade para lutar.
Somos diferentes e respeito
isso, embora me cansando com o discurso de ódio que grassa no grupo. Não
saio dele porque as pessoas são maiores do que os seus discursos, até porque
acredito em Erasmo de Roterdã, que afirma:
Corneia-se um marido?
Toda gente ri e o chama de corno, enquanto o bom homem, todo atencioso, fica a
consolar a cara-metade, a enxugar com seus ternos beijos as lágrimas fingidas
da mulher adúltera...[2]
Diz o adágio
popular que somos um universo e Freud atribua a nós pouco de consciente. O
desconhecido é a maior parte de cada um de nós que pode ser conhecida, razão de ser exageradamente
pretencioso o desejo de conhecer outrem, razão de não me esforçar muito para conhecer sequer a minha mulher. Mas, podemos ser amigos a partir das
experiências. No nosso caso, foram três anos de academia militar, o que nos
permite dizer: somos amigos.
O discurso de
ódio, o punitivismo, os movimentos de lei e ordem etc. são valorizados no nosso
grupo de WatsApp, contrariando aos conhecimentos que nos são dados pelas
ciências sociais aplicadas. Isso me coloca em descompasso com o grupo e me leva
a me manifestar contra a maioria. Desculpe-me por isso, não o faço pelo mal,
mas porque desejo o bem.
Os militares
falam muito em deontologia (tratado dos deveres ou ciência da moral),
olvidando-se da fundamentação metafísica dos costumes.[3]
Mais ainda, moral é costume. Parece que os defensores da deontologia militar se
esquecem do clássico exemplo, mencionado em nosso Curso de Formação de Oficiais,
de um banco de cimento situado no interior do quartel que ficou com um
sentinela o vigiando por vários anos
sem saber o porquê, quando tudo iniciou porque pintaram um banco e, por
punição, foi colocado ali um recruta para avisar que a tinta era fresca.
Desculpe-me Coronel amigo, reflitamos, e lutemos pela nossa evolução.
Finalmente, sou partidário da civilização da polícia, retirando a sua veia militar porque o militar vê inimigo onde não existe. O crime, já nos ensinou Durkheim, é um fato normal e, portanto, o delinquente é sujeito do Direito, não inimigo.
A intolerância nos perturba, apenas isso!
De todo modo, se fui intolerante, perdão!
Brasília-DF, 28 de novembro
de 2020, às 20h37
Sidio Rosa de
Mesquita Júnior
[1]
Já escrevi:
Sou viciado em uma droga lícita, a bebida alcoólica.
Não experimentei e não estou mais na idade daqueles que pretendem fazer alguma
incursão no âmbito dos psicotrópicos ilícitos. Porém, reconheço, a bebida
alcoólica serve como um remédio (ou fuga) para meus problemas. Caso eu fosse
usuário de alguma droga ilícita, na sistemática da nova lei, seria objeto de
prevenção e se fosse traficante seria objeto de repressão. Nesse ponto,
concordo com Alexandre Bizzotto e Andreia Rodrigues que essa dicotomia legal, prevenção (para usuários) e repressão (para traficantes), não é a
melhor. (in MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Comentários à lei antidrogas.:
Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 8).
[2] ROTERDAM,
Erasmo de. Elogio da loucura. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985. p. 47.
[3] KANT,
Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos.
São Paulo: Martin Claret, 2.003
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