Estou muito feliz por ter, com o apoio do UDF - Centro Universitário do Distrito Federal, da Prof.ª Dr.ª Beatriz Eckert-Hoff e da Coordenação do Curso de Direito da Instituição ter participado de mais um livro. Agraciado com o prefácio do eminente Maurício Godinho Delgado. Segue a minha parte...
Para citação: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. . O rigor jurídico-criminal crescente nos trinta anos de vigência da Constituição da República Federativa do Brasil: p. 263-278. In. SANTANA, Paulo Campanha; LEMOS, Maria Cecília de Almeida Monteiro (Org.). 30 anos da Constituição: Análises contemporâneas e necessárias: Uma homenagem dos 50 anos do curso de direito do UDF. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com/2018/12/15-o-rigor-juridico-criminal-crescente.html>. Acesso em: ..., às ...h...>
Abaixo segue o texto e, depois, a imagem dele, com algumas pequenas alterações do texto publicado e, depois, a imagem dele :
Sidio
Rosa de Mesquita Júnior[1]
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Rápida
contextualização do momento histórico de surgimento da constituição de 1988. 3.
A evolução normativa que ensejou o desrespeito à constituição. 4. O punitivismo
sob a égide da Constituição cidadã. 4.1 Os movimentos de lei e ordem na Constituição
Federal. 4.2. Sobre o punitivismo desde 1988. 5. Para não concluir.
Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo terá em vista examinar a
evolução do sistema prisional brasileiro ao longo dos últimos anos, a fim de
integrar a Coleção “30 anos da Constituição de República: análises
contemporâneas e necessárias”, uma proposta do UDF – Centro Universitário do
Distrito Federal.
Passaremos pela promulgação da Constituição
Federal de 1988, concebida como uma Constituição Cidadã, contextualizando-a,
desde a intervenção militar de 1964 até a campanha eleitoral de 2018, a fim de
alertar para os riscos de ocorrência de uma repetição no mesmo (bis in idem), com recrudescimento do
rigor jurídico-criminal.
Discorreremos sobre a necessária observância
do rol de direitos e garantias individuais que deveriam nortear o tratamento a
ser dispensado ao brasileiro preso. Mas ante alguns deles, especialmente o
estado de inocência e a individualização da pena, expor uma perfunctória análise
da situação carcerária brasileira.
2.
RÁPIDA CONTEXTUALIZAÇÃO DO MOMENTO HISTÓRICO DE SURGIMENTO DA CONSTITUIÇÃO DE
1988
Do dia 31.3.1964 ao dia 1.4.1964, houve aquilo
que foi conhecido como o Golpe de Estado de 1964, consolidando-se o início de
um tempo conhecido como de ditadura
militar no Brasil. Para legitimar esse novo governo, foi outorgada uma nova
Constituição em 1967. Depois, em 1969, instituiu-se uma nova ordem
constitucional por meio da Emenda à Constituição n. 1/1969, esta é concebida
por alguns constitucionalistas como sendo uma nova Constituição Federal
outorgada.[2]
Em 1976, tínhamos como Presidente da República
o General Ernesto Geisel. O seu Chefe e Gabinete era o General Hugo Abreu
(1916-1979), o qual contou todas as mazelas para a eleição do General João
Baptista Figueiredo (1918-1999) como Presidente da República.[3][4]
Disse mais, que este último, em seu discurso de posse, prometeu devolver o
governo do Brasil aos civis, bem como os possíveis presidenciáveis de 1979 se
corromperam para não concorrerem às eleições de 1979.[5]
Tancredo Neves (1910-1985) e Ulysses Guimarães
(1916-1992) eram os líderes civis que, segundo o Gal. Hugo Abreu, estiveram
dentre o maior esquema de corrupção de todo governo militar, isso para retirar
a candidatura civil para o mandato presidencial que se iniciaria em 1979. Esses
foram os maiores símbolos do Movimento
Diretas Já, havido no Brasil nos anos 1983-1984. E, Tancredo foi o primeiro
Presidente Civil após a “ditadura militar”, mas morreu sem tomar posse, pois
foi internado um dia antes, em 14.3.1985.
Ulisses Guimarães se transformou no símbolo da
Assembleia Constituinte de 1988, marcada pelos mais diferentes lobbies e que resultou na Constituição Cidadã, eis que tem um
grande rol de direitos e garantias individuais e sociais, sem excluir outros
que poderão decorrer de princípios constitucionais e de tratados e convenções
de direitos internacionais (Constituição Federal, art. 5º, § 2º).
3.
A EVOLUÇÃO NORMATIVA QUE ENSEJOU O DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO
A própria Constituição Federal deu ensejo ao
rigor jurídico-criminal ao estabelecer, em seu art. 5º, o seguinte comando
constitucional de criminalização:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem;
Ao destacar certos crimes que seriam
assemelhados a outros que deveriam ser classificados como hediondos, a
Constituição Federal impôs a criação de uma lei que regulasse o preceito
transcrito, o que se deu por intermédio da Lei n. 8.072, de 25.7.1990. Porém,
isso decorreu do impacto dos meios de comunicação de massa, os quais
dramatizaram a realidade, em favor da law
and order.[6]
A Lei n. 8.072/1990 foi tímida ao estabelecer
o rol de crimes hediondos, talvez porque tenha surgido especialmente para
trazer o rigor àqueles que praticassem extorsão mediante sequestro.[7] No
entanto, ao longo dos anos, esse rol vem crescendo de forma muito célere.
A referida lei, em sua primeira redação, era
tão ruim, que podia ser denominada, acompanhando Alberto Silva Franco, como
sendo lei hedionda, isso porque era
pior do que os crimes que enumerava. Para o autor, ela violava os três momentos
da individualização da pena,[8] a
saber:
(a) cominação:
ao não cumprir o comando constitucional de definir os crimes hediondos, tendo
apenas enumerado, em seu art. 1º, aqueles que seriam hediondos. Pior era o seu
art. 9º (hoje tacitamente revogado), que gerou pena única – de 30 anos – para
determinados crimes;
(b) aplicação:
por gerar pena única em alguns crimes, a lei inviabilizou o segundo momento da
individualização da pena, visto que todos os condenados teriam sempre, in concreto, a pena de 30 anos;
(c) execução:
a redação originária do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, estabelecia regime
o cumprimento da pena integralmente fechado. Isso era equivocado. Porém, o
referido dispositivo legal foi corrigido pela Lei n. 11.464, de 28.3.2007.
O STF verificou que a nova redação do § 1º do
art. 2º da Lei n. 8.072/1990, dado pela Lei n. 11.464/2007, obrigava o regime
inicial fechado para cumprimento da pena e considerou inconstitucional o Juiz
estabelecer tal regime só com base na lei, sem examinar as condições pessoais do
sentenciado. Essa posição do STF me parece equivocada.[9]
Thaís Bemfica, citando vários autores, dentre
eles Alberto Silva Franco, chama a atenção para o fato de não ser bom para a
sociedade o rigor jurídico-criminal.[10]
Ora, por óbvio, haveria um crescimento exagerado da população carcerária
pátria!
Em 1996, a superpopulação carcerária
brasileira chamou a atenção do mundo, em face de uma rebelião em um presídio
goiano. Para minimizar o problema, o Presidente da República editou o Decreto
n. 1.860, de 11.4.1996, concedendo indulto condicional para liberar presos e
diminuir o excesso de presos. Porém, isso foi e será tecnicamente equivocado,
visto que havia e há maior número de mandados de prisão a serem cumpridos do
que de presos no Brasil. Assim, bastaria o cumprimento de alguns mandados de
prisão e as vagas decorrentes do indulto seriam preenchidas.
Não é atoa que
não me canso de voltar à lição de Francisco de Assis Toledo, desenvolvida no
sentido de que é mais fácil adotar medidas populistas, construir favelas, do
que verificar os melhores meios para combater a criminalidade endêmica.[11]
4. O
PUNITIVISMO SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ
Conforme já dissemos, o art. 5º, inc. XLIII,
da Constituição Federal, consagra a doutrina dos movimentos de lei e ordem,
dando ensejo a uma onda punitivista.
4.1 Os
movimentos de lei e ordem na Constituição Federal
Todo
discurso dos movimentos de lei e ordem se baseia na anomia, o que decorre de um
momento em que a Alemanha estava destroçada pela 2ª Grande Guerra. A anomia,
como um estado de desorganização, foi definida por Ralf Dahrendorf, em uma
ideia de lei e ordem, in verbis:
... uma condição social onde as
normas reguladoras do comportamento das pessoas perderam sua validade. Uma
garantia dessa validade consiste na força presente e clara das sanções. Onde
prevalece a impunidade, a eficácia das normas está em perigo. Nesse sentido, a
anomia descreve um estado das coisas onde as violações de normas não são
punidas.[12]
Pelo que se vê, para essa
teoria, o crime, dentro de certos limites – qualitativos e quantitativos – é um
fenômeno social normal. Mas, que pode ser combatido pela repressão, pela pena.
Isso é um erro, visto que o delito não pode ser combatido pelo seu efeito, a
pena. É nesse contexto equivocado que foi inserido o inc. XLIII no art. 5º da
Constituição Federal.
Outros mandados constitucionais de
criminalização foram inseridos no art. 5º da Constituição Federal, a saber:
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático;
Não bastasse, outros
dispositivos constitucionais constituem mandados constitucionais de
criminalização, in verbis:
Art. 7º São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: (...) X – proteção do salário na forma da lei,
constituindo crime sua retenção dolosa.
Art. 225. Todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras
gerações. (...) § 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados
Art. 227. É dever da família,
da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)
§ 4º. A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da
criança e do adolescente.
Esses mandados
constitucionais de criminalização deram ensejo à criação de leis criminais,
tais quais a Lei n. 8.069, de 13.7.1990 (Estatuto das Crianças e dos
Adolescentes); Lei n. 8.072, de 25.7.1990 (lei
hedionda); Lei n. 8.930, de 6.9.1994 (altera a lei hedionda); Lei n. 9.455, de 17.4.1997 (lei antitortura); Lei n. 13.260, de 16.3.2016 (lei de combate ao
terrorismo); etc.
Foi com inspiração
constitucional, regulando os dispositivos da Constituição Federal, que muitas
leis criminais foram editadas para tipificar novos crimes e estabelecer maiores
rigores jurídicos-criminais àqueles que violassem tais leis.
4.2
Sobre o punitivismo desde 1988
O punitivismo é marcante nos últimos 30 anos. Desde o início da década de 1990, os problemas da violência,
da insegurança e da criminalidade constituem-se como questões centrais nos grandes
e médios centros urbanos da América do Sul, o que trouxe um significativo
aumento da população carcerária e, não obstante o advento da Lei n. 12.403, de
4.5.2011 – que surgiu para adequar o Código de Processo Penal ao art. 5º,
inciso LVII, da Constituição Federal – em muitos Estados do Brasil, há maior
número de presos provisórios do que de condenados.[13]
A Empresa Brasil de Comunicação S.A. (EBC),
empresa pública vinculada à Casa Civil da Presidência da República (Lei n.
11.652, de 7.4.2008, art. 5º), informou em 8.12.2017 que “Com 726 mil presos, o
Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo”. É quanto ao perfil
dos presos que, dentre muitos outros dados preocupantes, verificamos algo que
chama a atenção, in verbis:
Do universo total
de presos no Brasil, 55% têm entre 18 e 29 anos. “São jovens que estão
encarcerados”, disse o diretor-geral do Depen. Observando-se o critério por
estado, as maiores taxas de presos jovens, com menos de 25 anos, são
registradas no Acre (45%), Amazonas (40%) e Tocantins (39%).
Levando em conta a
cor da pele, o levantamento mostra que 64% da população prisional são compostos
por pessoas negras. O maior percentual de negros entre a população presa é
verificado no Acre (95%), Amapá (91%) e Bahia (89%).
Quanto à
escolaridade, 75% da população prisional brasileira não chegaram ao ensino
médio. Menos de 1% dos presos tem graduação.
No total, há 45.989
mulheres presas no Brasil, cerca de 5%, de acordo com o Infopen. Dessas
prisões, 62% estão relacionadas ao tráfico de drogas. Quando levados em
consideração somente os homens presos, o percentual é de 26%.[14]
Há uma tendência mundial em aumentar a
prisão provisória, o que é ruim e só piora a situação carcerária. No Brasil,
esse crescimento é o segundo maior, conforme relatou o DEPEN:
No período analisado, o Brasil
registrou, entre os cinquenta países com maior população prisional, a segunda
maior variação na taxa de aprisionamento, com um crescimento na ordem de 136%.
Apenas na Indonésia o ritmo de crescimento relativo da população prisional foi
maior do que no Brasil. No entanto, cumpre ressaltar que, apesar de a Indonésia
apresentar a maior variação nessa taxa, esse país tem uma taxa de
aprisionamento de 66 presos para cada cem mil habitantes, e uma população
prisional de 167.163 pessoas, tais cifras, não digo que consideravelmente inferiores às brasileiras.[15]
Em 2014, segundo dados do INFOPEN, o Brasil, em números absolutos,
era o quarto que mais prendia no mundo, só perdendo, pela ordem, para Estados Unidos,
China e Rússia. A Índia era a quinta colocada, mas tinha quase 200.000 presos a
menos em seu sistema penitenciário.[16]
Invertendo a tendência mundial, proporcionalmente, aumentamos a quantidade de
presos.
O que é alarmante é saber que 41% dos nossos presos não foram
condenados e, provavelmente, nunca serão. Enquanto isso, os Estados Unidos têm
20,4% de presos provisórios e a Rússia 17,9%. Dos países considerados, o DEPEN
verificou que o Brasil ficou, proporcionalmente, em quinto entre os que mais
têm presos provisórios.
Há uma tendência mundial em aumentar a
prisão provisória, o que é ruim e só piora a situação carcerária. No Brasil,
esse crescimento é o segundo maior, conforme relatou o DEPEN:
No período analisado, o Brasil
registrou, entre os cinquenta países com maior população prisional, a segunda
maior variação na taxa de aprisionamento, com um crescimento na ordem de 136%.
Apenas na Indonésia o ritmo de crescimento relativo da população prisional foi maior
do que no Brasil. No entanto, cumpre ressaltar que, apesar de a Indonésia
apresentar a maior variação nessa taxa, esse país tem uma taxa de
aprisionamento de 66 presos para cada cem mil habitantes, e uma população
prisional de 167.163 pessoas, cifras consideravelmente inferiores às
brasileiras.[17]
Observe-se que os Estados Unidos, de
2008 a 2013, reduziram o aprisionamento em 8%, a China em 9% e a Rússia 24%.
Enquanto isso, o Brasil elevou em 33%, evidenciando tendência contrária aos
países que tem maior população carcerária do mundo. Muito em breve, se continuarmos com essa
posição, teremos a maior população carcerária do mundo.
Termos maior população carcerária, não
representará automática redução da criminalidade. Sobre isso, verificando o
crescimento do denominado sequestro relâmpago, sustentei alhures:
Acessei a
rede mundial de computadores e inseri, no google,
“cresce o número de sequestros relâmpagos”, verificando a presença de
aproximadamente 1.440.000 incidências, sendo que analisei cerca de 100, dentre
os primeiros registros, verificando que em todo Brasil houve o aumento de
sequestros relâmpagos.
Citei
vários autores nos meus livros e nas diversas publicações que fiz sobre a
matéria criminal, a fim de subsidiar a afirmação de que o Direito não é a
panaceia de todos os males da sociedade. Pior ainda é pretender considerar o
Direito Criminal como tal porque ele é subsidiário, de última instância ou de ultima ratio. Ademais, nada será mais
incoerente do que pretender resolver o problema da criminalidade por meio do
seu efeito, a pena.
....................................................................................................................................................
Concluo
dizendo que não é por meio do rigor punitivo que se pode pretender combater a
criminalidade. No caso de sequestro relâmpago, a experiência brasileira vem
demonstrando que o aumento do rigor incentiva o crescimento da prática de tais
delitos.[18]
Verifico é que estamos em um sistema
culturalmente desatinado em que uma Constituição
Cidadã, contrariamente, deu ensejo ao recrudescimento jurídico-criminal.
Pior, com evidente prestígio aos movimentos de lei e ordem. E, olhando para o
futuro, após examinar a evolução humana, verifico um animal que se tornou deus,
obrigando-me a, com Harari, perguntar:
- Existe
algo mais perigoso do que deuses insatisfeitos e irresponsáveis que não sabem o
que querem?[19]
Verificando o rol de direitos fundamentais
atinentes às pessoas presas, bem como o Estatuto de Roma, verifico possível
crime contra a humanidade sob a égide da Constituição Federal, visto que
referido estatuto estabelece:
1. Para os
efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a
humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de
um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil,
havendo conhecimento desse ataque:
......................................................................................................................................................
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade
física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
f) Tortura;
......................................................................................................................................................
e) Por
"tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos
agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que
esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor
ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas
sanções ou por elas ocasionadas;
Nos termos do nosso Código de Execução
Criminal (Lei n. 7.210, de 11.7.1984), ao condenado e ao preso provisório são
assegurados todos direitos não atingidos pela sentença ou pela lei (art. 3º).
No entanto, o povo brasileiro, em sua maioria, fomenta o entendimento de que o
preso deve perder a dignidade, olvidando-se de que a execução criminal deve se
orientar pelo princípio da legalidade. Aliás, toda prevenção geral negativa, que orienta a maioria das doutrinas
criminais no meio pátrio, tende a uma pedagogia sombria, intimidando-nos para
educar, como a um cão, contra o qual se levanta o bastão.[20]
5.
PARA NÃO CONCLUIR
A Constituição da República Federativa do Brasil
se propõe a ser humana, trazendo extenso rol de direitos fundamentais que não
excluem outros. No entanto, deu azo para que os tratados jurídicos-criminais
atuais sejam discursivos e, frequentemente, pedantes não constituindo o Direito
Criminal de que a sociedade necessita.[21]
Confirmando a nossa hipótese, no sentido de
que os movimentos de lei e ordem se valem de aberturas constitucionais ao
rigor, o Brasil, no fim de Out/2018 passou a ter um Presidente da República
eleito que propõe o menor rigor para a aquisição de armas de fogo, maior rigor
jurídico-criminal e de execução criminal contra acusados e condenados, redução
da maioridade para a imputabilidade criminal etc. Hoje, 16.1.2019, são
propostas a execução sumária de suspeitos que portam armas de fogo, de quem
imobilizado “reagir” etc.
Com Renato Russo, embora não goste dele,
pergunto: QUE PAÍS É ESSE QUE DESEJA A ORDEM POR MEIO DA DESORDEM?
Espero que modifiquemos a nossa cultura para
valorizar um grande número de direitos fundamentais estabelecidos na
Constituição Federal, em desprestígio de um pequeno número de preceitos
constitucionais que justificam o punitivismo, pois a carreira moral do condenado passará por um processo
político-existencial manipulatório em que ele modificará até mesmo a crença de
se mesmo,[22]
transformando-se em objeto do Direito, em evidente oposição ao atual estágio de
civilização em que esperamos nos colocar.
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[1]
Sidio Rosa de Mesquita Júnior é Procurador Federal e Professor Universitário.
Concluiu o Curso de Formação de Oficiais na Academia Policial Militar do
Guatupê (1989) e graduou-se em Direito (1994). É especialista Direito Penal e
Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Também, é Mestre e
Doutor em Direito (2002 e 2015). Hoje, é Professor no UDF, é autor dos livros
Prescrição Penal (4. ed.); Execução Criminal: Teoria e Prática (7. ed.); e
Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006; todos publicados
pela Editora Atlas, e de diversos artigos jurídicos.
[2] Compactua
desse entendimento: SILVA, José Afonso da. Curso
de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
87.
[3] ABREU, Hugo.
O outro lado do poder. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
[4] Ao ler o
livro do Gal. Hugo Abreu (nota 3), quando eu era ainda adolescente, passei a
perceber a governabilidade brasileira de modo muito diferente do que o sistema
oficial traz como a verdadeira.
[5] ABREU, Hugo.
Tempos de crise. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980.
[6] FRANCO,
Alberto Silva. Crimes hediondos:
notas à lei n. 8.072/1990. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 32-40.
[7] A lei teve
iniciativa do Poder Executivo, por intermédio do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, mas encomendada pelo então Deputado Federal Rubem
Medina, isso logo após a extorsão mediante sequestro que atingiu Roberto
Medina. Também, o Deputado Federal mencionado era Presidente da Comissão de
Assuntos Econômicos da Câmara dos Deputados, tendo corroborado a notória
extorsão mediante sequestro do megaempresário Abílio Diniz.
[8] FRANCO,
Alberto Silva. Crimes hediondos:
notas à lei n. 8.072/1990. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1994. passim.
[9] MESQUITA JÚNIOR, Sidio
Rosa de. Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei hedionda (Lei nº
8.072/1990). Um assunto delicado e que precisa ser melhor examinado.
Teresina: Revista Jus Navigandi,
ISSN 1518-4862, ano 18,
n. 3533,
44.3.2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23842>.
Acesso em: 20.10.2018, às 18h30.
[10] BEMFICA,
Thaís Vani. Crimes hediondos e assemelhados:
questões polêmicas. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 31-38.
[11] TOLEDO,
Francisco de Assis. Princípios básicos de
direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. IX.
[12] DAHRENDORF,
Ralf. A lei e a ordem. Brasília:
Trancredo Neves, 1987. p. 31.
[13] AZEVEDO,
Rodrigo Ghiringhelli de; CIFALI, Ana Cláudia. Política criminal e
encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: elementos para um balanço
de uma experiência de governo pós-neoliberal. Porto Alegre: Civitas, v. 15, n.
1, Jan-Mar 2015. p. 105-127. Disponível em: <http://www.redalyc.org/html/742/74237096009/>. Acesso em:
29.8.2018, às 18h20.
[14] VERDÉLIO,
Andreia. Com 726 mil presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária
do mundo. Brasília: EBC, 8.12.2017, às 14h18. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-brasil-sobe-de-622202-para-726712-pessoas>.
Acesso em: 21.10.2018, às 9h36.
[15] BRASIL.
Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias.
Infopen, Jun. 2014. p. 14. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>.
Acesso em: 17.8.2014, às 23h15.
[16] BRASIL.
Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias.
Infopen, Jun. 2014. p. 11. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>.
Acesso em: 17.8.2014, às 23h15.
[17] Ibidem. p.
14.
[19] HARARI,
Yuval Noah. Sapiens: uma breve
história da humanidade. 24. ED. Porto Alegre: l&PM, 2017. p. 428.
[20] HASSEMER,
Winfried. Punir no estado de direito. In
GRECO, Luís; MARTINS, Antônio (Org.). Direito
penal como crítica da pena: estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu
70º aniversário em 2 de setembro de 2012. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p.
344.
[21] COSTA,
Álvaro Mayrink da. Exame criminológico.
5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 13.
[22] MELOSSI,
Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e
fábrica: as origens do sistema penitenciário (Séculos XVI-XIX). 2. ed. Rio
de Janeiro: Revan, ICC, 2006, 2010. p. 232.
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