Obs.: (a) embora a sentença criminal seja pública, retirei o nome das vítimas, bem como o dos réus... Quanto às vítimas menores de 18 anos, os nomes estão publicados, mas por equívoco do juízo. Obviamente, os retirei; (b) corrigi o "ene bolinha", forma equivocada de abreviar a palavra número, visto que inexistindo a palavra númera, não há razão para escrever n.º; (c) a abreviação de folha deve ser apenas f., razão de ter modificado a abreviação "fls." que constava da redação original.
Processo:
478-55.2010.8.10.0114 AUTOR: Ministério Público Estadual RÉUS: (...) e (...) Incidência Penal: art. 213 c/c art. 224,
alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art. 226,
incisos I e II c/c art. 71, caput e parágrafo único c/c 148,§ 1º, incisos I e V
c/c § 2º do mesmo artigo c/c art. 136, §3º, todos do Código Penal. SENTENÇA 1 -
RELATÓRIO O Representante do MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ofereceu denúncia
contra (...) e (...), dando-os como incursos
nas penas do art. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento
de pena prevista no art. 226, incisos I e II c/c art. 71, caput e parágrafo
único c/c 148,§ 1º, incisos I e V c/c § 2º do mesmo artigo c/c art. 136, § 3º,
todos do Código Penal. Consta na denúncia que as condutas delituosas que se
imputam aos denunciados consistem no fato de que o primeiro denunciado, agindo
de forma livre e consciente, constrangeu sua filha (...) carnal, mediante violência física e psicológica e grave
ameaça, quando a vítima contava com menos de 14 (quatorze anos) de idade; além
de privar a aludida vítima de sua liberdade mediante sequestro e cárcere
privado (também físico e moral) e de expor a perigo a saúde (maus tratos) desta
e dos menores (...), (...), (...), (...), (...), (...) e (...). No que tange a
segunda denunciada, mãe da vítima (...), aduz a peça
exordial que possuía pleno conhecimento e consciência das condutas criminosas
praticadas pelo primeiro denunciado, vez que residiu na mesma casa com a vítima
e com aquele, omitindo-se e, com isso, contribuindo para o acontecimento dos
delitos mencionados. Relata-se que os fatos só vieram a público por ocasião de
uma denúncia anônima ofertada ao Conselho Tutelar de que na fazenda Ipanema
havia um pai que abusava sexualmente de sua própria filha há vários anos e,
inclusive, com ela já teria sete filhos, o que foi imediatamente comunicado à
autoridade policial. Expõe a denúncia que, realizando diligência até o local, a
polícia e o Conselho Tutelar, encontraram o local (distante, quase inacessível)
onde o primeiro denunciado residia (zona rural), onde constataram situação de
extrema pobreza, até mesmo com várias crianças privadas de saúde, educação,
moradia e dos demais direitos necessários ao desenvolvimento. Ali se encontrava
também a vítima (...) (mãe das crianças, que se
comportou de forma tímida e desconfiada) e a segunda denunciada, (...), mãe da vítima. Todos foram conduzidos até a Delegacia de
Polícia para melhor averiguação do caso. Defronte à autoridade policial, face a
diligência realizada até o local dos fatos delituosos, bem como com fulcro no
depoimento dos envolvidos (acusados, vítimas e testemunhas), foi constatado a
veracidade dos acontecimentos. Conforme expõe o órgão titular da ação penal,
embora muito temerosa em um primeiro depoimento, a vítima (demonstrando muito
medo, fragilidade emocional e temor em tocar no assunto), após contar a
situação de penúria e de total desconhecimento e contato com o mundo exterior,
acabou, num segundo momento, quando inquirida pela autoridade policial acerca
dos abusos sexuais sofridos, por descortinar a declaração de que o primeiro
homem que a abusou sexualmente foi seu tio, atualmente falecido, e depois (...) e que, desde então, vem sendo abusada sexualmente por ele
(seu próprio pai), o primeiro denunciado; asseverando, demais disso, que este é
genitor de todos os seus 07 (sete) filhos. Aduz a inaugural que "... os
denunciados durante todo esse tempo mantinham (...) subjugada,
furtava a vítima do convívio das pessoas, e não obstante os moradores daquela
localidade nunca tenham visto a ofendida namorar alguém, o primeiro denunciado
lhe induzia a dizer que seus filhos eram de "Deus", tudo isto com o
único objetivo de ocultar e perpetuar seus crimes. O primeiro denunciado, com a
anuência da segunda denunciada, também privava as crianças de alimentação e de
outros cuidados indispensáveis, deixando-as sem qualquer higiene e tratamento
médico, situações estas que expôs a perigo a saúde dos menores...".
Continua afirmando que "... Do seu modo, interrogado em sede policial, o denunciado (...), friamente confessou que abusou sexualmente de
sua filha (...), desde criança e, as relações sexuais
que mantinha com ela durante todo esse tempo resultaram no nascimento de 07
(sete) crianças, tendo a vítima engravidado de seu primeiro filho quando tinha
apenas 15 (quinze) anos de idade. Igualmente confessou que sempre privou a
vítima (...) e seus filhos/netos de liberdade,
alimentação, saúde, educação e moradia digna, e que a segunda denunciada tinha
plena consciência de todas as condutas delituosas praticadas por ele...".
Conclui o órgão ministerial indicando (a par de, ao seu entender, estar
satisfeita a materialidade e autoria necessária) a prática dos delitos de
estupro (na forma continuada e com violência presumida em razão da idade da
vítima à época), sequestro e cárcere privado, além do crime de maus tratos. Com
a inicial acusatória vieram os documentos de f. 10-56 (Inquérito Policial n. 28/2010), dentre os quais destaca-se o relatório confeccionado pelo Conselho
Tutelar, oitiva na fase policial da vítima, dos denunciados e de testemunhas.
Recebida a denúncia na data de 21.7.2010 (fls. 59-62). Réus citados às f.
65v-66v. Em razão da não apresentação pelos réus de causídico para patrocinar
sua defesa, foi nomeado advogado à f. 60, tendo este renunciado em razão de
foro pessoal (vide f. 63-64). Informações a respeito dos procedimentos de
realização do exame de DNA à f. 73-75. Às f. 85-109 acostados exame
periciais (exame de DNA) demonstrando a paternidade dos filhos da vítima
(... 7 nomes e menores), alcançando 99,99% de probabilidade de serem filhos do réu (...). Ato contínuo, os réus devidamente patrocinados pelo Dr. Crisógono
Rodrigues Vieira OAB-MA 3180, apresentaram resposta à acusação às f. 117-122,
aduzindo, em síntese, a ilegitimidade do Ministério Público para propositura da
demanda penal e, no mérito, rechaçando a existência de qualquer ameaça ou
violência nas relações sexuais em questão, haja vista que a vítima demonstrou
plena aquiescência com os atos praticados pelo réu (...), sendo
o ato sexual realizado de forma livre e consciente pela vítima e, ainda,
postulando a desclassificação da conduta para o crime constante no artigo 217,
CP (crime de sedução). Na oportunidade, foram arroladas testemunhas.
Documentação de audiência (una) realizada em 24.5.2011 às f. 134-151,
ocasião em que foram ouvidos: a vítima, cinco testemunhas de acusação e duas
testemunhas arroladas pela defesa. Em tal momento, como não poderia deixar de
sê-lo, foi realizado interrogatório de ambos os réus. A ré (...), nega as acusações e diz não ter conhecimento dos fatos e autoria dos
abusos sexuais praticados em desfavor da vítima. O réu (...), da
mesma maneira, negou as acusações que lhe foram feitas, aduzindo nunca ter
feito sexo com a vítima e não ter conhecimento acerca de quem seria o pai das
crianças (filhos da vítima). Não foram requeridas diligências pelas partes,
razão pela qual, em atenção ao disposto no § 3º do art. 403 CPP, foi deferido
pelo MM Juiz, presidente do feito, apresentação de alegações finais através de
memoriais. Apresentadas alegações finais pelo Parquet às f. 156/164,
requereu-se a condenação do réu (...) nos delitos inicialmente
citados na peça acusatória e, em posição diametralmente oposta, a absolvição da
ré (...), tendo em vista a falta de provas para sustentar um
decreto condenatório. A defesa, por sua vez, ofereceu alegações finais às f.
165-168, requerendo a absolvição de ambos os acusados, com fundamento nas
mesmas assertivas apresentadas em resposta à acusação, destacando-se, de forma
subsidiária, o pedido desclassificação da conduta para o crime previsto no art.
217, CP (crime de sedução). No mais, outros atos processuais foram realizados
após o encerramento da instrução referente a revogação da prisão preventiva do
réu, face o grave estado de saúde do mesmo (vide f. 170-226). É a síntese dos
autos. Passo, in continenti, a decidir. 2 - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA Aos
denunciados são imputados a prática dos delitos de estupro (na forma continuada
[art. 71, CP] e com violência presumida em razão da idade da vítima à época),
sequestro e cárcere privado e maus tratos. Inicialmente, a par dos princípios
regentes da direito penal brasileiro, fixo a premissa (desde o início desta
motivação jurídica) de que deverão ser aplicados os regramentos vigentes à época
dos fatos, sobretudo porque mais benéficos ao réu. Como sabido, o Código Penal
capitulava e descrevia (antes da reforma operada pela Lei n. 12.015 / 2009) da
seguinte maneira os crimes em alusão: Estupro: Art. 213 - Constranger mulher à
conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6
(seis) a 10 (dez) anos. [...] Presunção de violência Art. 224 - Presume-se a
violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil
mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra
causa, oferecer resistência. Aumento de pena Art. 226 - A pena é aumentada de
quarta parte: I - se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas;
II - se o agente é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade
sobre ela; Crime continuado art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma
ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de
um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em
qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei n. 7.209, de
11.7.1984) Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras
do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada pela Lei
nº 7.209, de 11.7.1984) Sequestro e cárcere privado: art. 148 - Privar alguém
de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de um
a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I - se a vítima
é ascendente, descendente ou cônjuge do agente; I - se a vítima é ascendente,
descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 (sessenta) anos. I - se a vítima
é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60
(sessenta) anos; II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em
casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de 15
(quinze) dias. IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
(incluído pela Lei n. 11.106, de 2005) V - se o crime é praticado com fins
libidinosos. (Incluído pela Lei n. 11.106, de 2005) § 2º - Se resulta à vítima,
em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou
moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Maus-tratos art. 136 - Expor a
perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância,
para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo
ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena -
detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º - Se do fato resulta lesão
corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a quatro anos. § 2º - Se
resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. § 3º - Aumenta-se a
pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze)
anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990) Em obediência ao princípio
constitucional da individualização (na via penal e processual penal), tratarei
separadamente cada réu desta demanda penal. Primeiro, analiso as questões
pertinentes ao primeiro denunciado, (...). Réu (...): Da análise detida de todo o caderno processual vejo que as
pretensões punitivas externadas na exordial em desfavor do réu (...) quanto aos crimes de estupro, sequestro/cárcere privado e
maus-tratos, merecem prosperar. Ao meu sentir, não resta dúvida quanto à
materialidade e autoria delitiva, estando ambas devidamente alicerçadas nos
autos em exame. No que tange ao crime de estupro (com violência presumida, em
razão da idade da vítima), explicando o tipo objetivo descrito no artigo 213, à
época em que vigente antiga redação, Celso Delmanto afirma que: "O núcleo
é constranger (forçar, compelir, obrigar). A pessoa a quem se constrange é
mulher, de forma que a vítima deste crime somente pode ser do sexo feminino,
seja ela menor ou maior, virgem ou não, honesta ou prostituta. O
constrangimento visa a conjunção carnal, isto é, a união sexual, a cópula
vagínica. É indiferente que a cópula seja completa ou não, ou que ocorra a
ejaculação; mas é imprescindível que haja a introdução, completa ou não, do
órgão copulador do agente na vagina da vítima. (...). O constrangimento deve
ser feito mediante violência (física) ou grave ameaça (ameaça de mal sério e
idôneo) e deve haver dissenso da vítima". Como se nota, o delito de
estupro configura-se quando presentes, portanto, os elementos integrantes do
tipo penal, quais sejam, a conjunção carnal, a violência (física ou moral) e a
resistência da vítima (rememorando que, em se tratando de vítima menor de
quatorze anos, [levando em conta a legislação vigente], a violência é
presumida). Assim é que concluo que a materialidade e a autoria estão
sobejamente demonstradas em desfavor de tal acusado, conforme exponho
doravante. Já de início, os laudos periciais (exames de DNA) conduzem a uma
convicção, por assim dizer, quase que inquestionável acerca da paternidade dos
filhos da vítima, deixando a míngua de qualquer dúvida que o pai/réu (...) teve relações sexuais com sua própria filha/vítima (..), resultando no nascimento de 08(oito) filhos (e não sete)
da relação incestuosa. A título de ilustração, o exame pericial é claro em
atestar conclusivamente: "...não está excluída a paternidade do Sr.
(...) sobre (..)". "...
Portanto a probabilidade de o Sr. (...) ser pai biológico de
(...) é de 99,9999%...". E o resultado do laudo
pericial se repete para todos os outros filhos, colocando em patamares de
extremada certeza que houve sim prática de ato sexual do referido réu com a
vítima por inúmeras vezes, resultando, inclusive, no nascimento de 8 (oito)
filhos. Aliás, embora saiba que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, o
resultado de tal exame faz sucumbir, em meu pensamento motivado, qualquer outra
alegação em sentido contrário (no sentido de não ter havido as aludidas
relações sexuais). Obtempero que, da leitura do caderno processual, observa-se
que a violência/grave ameaça restam demonstradas à saciedade. O dissenso, a não
concordância, a resistência, oferecida pela vítima emerge com clareza das
provas produzidas, até mesmo pela inquestionável conclusão direcionada a firmar
o fato de que havia, sem dúvida, trato de submissão e temor da vítima para com
o indigitado réu. Assim, afasto por completo a alegação da defesa de que as
relações foram consentidas. Nessa vereda, o próprio relatório confeccionado
pelo Conselho Tutelar e juntado aos autos colabora imensamente na edificação da
verdade processual da qual se extrai elementos suficientes a fundamentar a
justa aplicação do jus puniendi estatal. Nesse sentido, o depoimento da vítima,
em fase judicial, é claro ao relatar que: "... que começou a ter relação
do o réu com doze anos; que teve seu primeiro filho com quinze anos; que é mãe
de oito filhos e um falecido; que o réu ameaçava de morte a declarante se acaso
ela contasse sobre a paternidade de seus filhos; que o réu não falava nem para
a sua esposa sobre a paternidade seus filhos; que sua mãe é adoentada e não
sabia que o réu era o pai das crianças; que somente vive para o trabalho e sua
família, ou seja, não saia de jeito nenhum de casa, por determinação do réu;
que nunca teve namorado; que tinha vontade de se matar na época; Que a sua mãe
tinha medo do pai; que atualmente não quer ver seu pai de jeito nenhum; Que o
réu batia na declarante para ter relações com ele e também demonstrar para as
outras pessoas a sua indignação com as gravidezes; Que o réu era bastante
ciumento; Que não queria de jeito nenhum ter relações sexuais com o réu, nem
filhos; Que tem vergonha desses fatos; Que até gostava de sair, mas o réu não
deixava; Que o réu batia nos filhos da declarante; Que as marcas duravam, às
vezes, uns três dias..." (grifo nosso). Ad argumentadum tantum, como se sabe, o
estupro é um crime que, em regra, é praticado distante do conhecimento de
terceiros. Por essa razão, uma das questões mais relevantes no estudo do delito
de estupro é a que diz respeito à palavra da ofendida, que tem grande valor e
constitui excelente meio de prova, máxime quando encontra apoio em outros
elementos de prova existente nos autos. Sem dúvida, "tanto nos crimes de
índole sexual, como nos crimes de roubo, que geralmente ocorrem as escondidas,
as declarações da vítima são de suma importância, e estando estas plausíveis,
coerentes e equilibradas com o conjunto probatório, inafastável a condenação do
réu". Magalhães E. NORONHA, a respeito da palavra do ofendido, ensina que,
"não se pode negar a qualidade de provas às suas declarações. Com efeito,
delitos há em que a prova não se completa ou aperfeiçoa sem sua palavra. Assim,
nos crimes contra os costumes". O ofendido como sujeito ou fator de prova,
quando presta declarações, escreve TORNAGHI, ele próprio realiza o ato
probatório factum probans. A autoria dos delitos sexuais, de regra cometidos às
escondidas, pode ser comprovada, validamente, pela palavra do ofendido,
coerente com as circunstâncias e demais elementos reunidos no processo. Assim,
a palavra da vítima, principalmente quando corroborada com a comprovada
existência de violência real ou moral por ela relatada, são reputados
suficientes à caracterização do delito de estupro. Corroborando as assertivas
acima, oportuno transcrever os seguintes julgados: APELAÇÃO CRIMINAL - PENAL E
PROCESSUAL PENAL - ROUBO QUALIFICADO E ESTUPRO - CONDENAÇÃO - CONTRARIEDADE À
PROVA DOS AUTOS - MATERIALIDADE E AUTORIA - INSUFICIÊNCIA DE PROVA - NEGATIVA
DE AUTORIA - ESTUPRO - LAUDO DE EXAME DE CONJUNÇÃO CARNAL - RESCINDIBILIDADE -
PALAVRA DA VÍTIMA AJUSTADA AO CONJUNTO PROBATÓRIO - VALORAÇÃO - RECURSO
IMPROVIDO - 1. A tese de negativa de autoria deverá encontrar ressonância no
conjunto probatório, no caso inocorridas, dado que conduz a culpabilidade dos
réus. 2. A constatação no laudo de conjunção carnal, de vestígios da cópula e
de violência, afigura-se prescindível para a caracterização do crime de
estupro, porque se a vítima não é mais virgem, não foram observadas lesões corporais
ou outros vestígios do ataque sexual, prescindindo-se que a cópula seja
completa. 3. A palavra da vítima do crime de estupro deve preponderar, mormente
quando ajustada ao conjunto probatório. 4. Recurso conhecido e improvido. (TJAC
- ACr 01.000455-6 - (1.452) - C.Crim. - Relª Desª Eva Evangelista - J.
04.05.2001) grifei SENTENÇA - NULIDADE - INOCORRÊNCIA - DECISÃO FUNDAMENTADA -
TESES DA DEFESA SUFICIENTEMENTE EXAMINADAS - PRELIMINAR REJEITADA - ESTUPRO -
CRIME CARACTERIZADO - Palavra da vítima corroborada por outros meios de prova -
Ausência de exame de corpo de delito - Irrelevância - Vestígios da infração já
desaparecidos - Condenação mantida - Regime prisional - Estupro - Delito que
não resultou em lesões corporais graves nem morte - Infração não alcançada pela
Lei dos Crimes Hediondos - Progressão - Possibilidade - Recurso parcialmente
provido para modificar o regime prisional para inicialmente fechado. (TJMG -
APCR 000.285.559-1/00 - 3ª C.Crim. - Rel. Des. Kelsen Carneiro - J. 03.12.2002)
CRIMINAL. RESP. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABSOLVIÇÃO EM SEGUNDO GRAU.
REVALORAÇÃO DAS PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. AUSÊNCIA DE
VESTÍGIOS. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese em que o Juízo sentenciante se valeu,
primordialmente, da palavra da vítima - menina de apenas 8 anos de idade, à
época do fato -, e do laudo psicológico, considerados coerentes em seu
conjunto, para embasar o decreto condenatório. II. Nos crimes de estupro e
atentado violento ao pudor, a palavra da vítima tem grande validade como prova,
especialmente porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria
natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios. Precedentes.
III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (Recurso Especial n. 700800/RS (2004/0147242-2), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. j.
22.03.2005, unânime, DJ 18.04.2005). TJRJ-011351) AÇÃO PENAL. ROUBO. EMPREGO DE
ARMA. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA.
NEGATIVA DE AUTORIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO COM ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE
PROVAS, NO CASO DO ROUBO. NÃO APREENSÃO DA ARMA; NO ESTUPRO. INEXISTÊNCIA DE
VIOLÊNCIA SEXUAL PELA NÃO COMPROVAÇÃO DE LESÕES. INDEFERIMENTO. AUTORIA E
MATERIALIDADE INQUESTIONÁVEIS. FATOS TIPIFICADOS NA SUA EXATA DIMENSÃO. AVALIAÇÃO
DA PROVA JUSTA E PERFEITA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Se a vítima aponta o réu como
autor dos crimes, sendo suas declarações corroboradas por fatos e
circunstâncias incontestáveis, convincente se faz a certeza para um Juízo de
condenação, inobstante a ausência de vestígios ou lesões específicas no laudo
pericial, já que configurada a coação real e moral (grave ameaça pelo uso da
arma), o que impossibilitou a reação da ofendida, inexistindo, assim, violência
física capaz de deixar vestígios expressivos, reforçado pelo fato de tratar-se
de mulher com hímen complacente. Em crimes desta natureza, geralmente cometidos
na clandestinidade, há consenso jurisprudencial sobre a importância que se deve
dar às informações das vítimas se são elas coerentes com as demais provas dos
autos, não havendo motivos para delas se duvidar. Se na ocasião da prática do
crime contra os costumes o agente, mediante grave ameaça, subtrai os bens da
vítima, configurado está o crime de roubo em concurso material com aquele. Não
é necessária a apreensão e exame da arma para que seja reconhecida a agravante,
admitindo-se a prova de seu emprego por outros meios, no caso, a testemunhal.
Recurso improvido. (Apelação Criminal n. 2003.050.00908, 1ª Câmara Criminal do
TJRJ, Rel. Des. Paulo César Salomão. j. 12.08.2003). Dessa maneira, não há
dúvida que, nestes autos, conforme dito acima, juntamente com os demais
elementos coligidos merece inteira credibilidade a palavra da ofendida no
sentido de que o juízo condenatório merece vingar. Seguindo adiante, percebo,
ademais, que o triste relato da vítima é, incontroversamente, corroborado pelas
demais testemunhas. Com a leitura de todos os depoimentos testemunhais (espécie
de prova assaz relevante nas especificidades do presente caso) mergulha-se num
lago de elementos, um a um, que deságuam na confirmação do relato acusatório
ministerial. Verbi gratia, a testemunha Gildázio Batista Mendes, conta com
detalhes como fora feito o procedimento de busca até o local, ermo (fazenda de
difícil acesso), onde foram encontrados os réus e a vítima, além das crianças
em situação de total abandono e completa falta de condições mínimas de saúde,
higiene, etc. A testemunha Luis Lopes Farias Filho, também corrobora tal
narrativa. As testemunhas Silas de Sousa Silva (Conselheiro Tutelar) e Dulce
Coelho Castro (Assistente Social), que acompanharam de perto o episódio,
ratificaram em todos os termos os fatos, inclusive a última afirmando
expressamente, quando em contato com a vítima: "... que esta falava muito
pouco e assustada, que a vítima demonstrava vergonha de falar quem era ao pai
de seus filhos, que a vítima falava que tinha sido seu pai...". Deveras,
verifico que os depoimentos das testemunhas em juízo, consentaneamente com a
bem construída denúncia do parquet, mostram-se seguros, coerentes e afinados
com os demais elementos de convicção acostados apud acta. Vale dizer, firmo a
concepção que os depoimentos prestados pelas testemunhas, tanto na fase
policial quanto em Juízo, apresentam verossimilidade, coerência e total plausibilidade,
coadunando-se com o fato típico descrito no art. 213 do CP e levando, por
corolário, a uma convicção de condenação. De fato, não há divergências ou
discrepâncias nos depoimentos colhidos. Outrossim, cotejando com elementos
trazidos pela investigação policial, ainda que analisado sob o prisma de valor
relativo, tem -se que, apesar de negar a autoria em juízo, o réu confessou a
prática de relações sexuais com sua filha perante a autoridade policial,
inclusive afirmando estar arrependido. A essa altura, esclareço aqui que, em
minha compreensão, a violência/grave ameaça (física e psicológica) estão
claramente demonstradas. Isso é fato. Todavia, ainda que não estivessem, é
fulcral rememorar-se que, pela apreciação do processo, ficou comprovado que as relações
sexuais entre pai e filha (réu e vítima, respectivamente) se realizaram desde
quando ela contava com idade inferior a catorze anos, mais precisamente desde o
12 (doze) anos de idade e perdurou durante muitos anos. Com efeito, à luz da
legislação vigente à época, configuraria o crime de estupro independentemente
da comprovação real da existência de grave violência física ou ameaça
(casuística que a lei penal tratava sob os pilares da violência presumida [em
razão da idade da vítima], não sendo necessário, portanto, qualquer prova cabal
de transgressão, violência ou gravíssima ameaça para a configuração do delito).
E, quanto a idade da vítima, me convenço que, à época do início dos abusos,
teria ela sim idade inferior a 14 (catorze) anos, qual seja, 12 (doze) anos.
Aliás, o próprio depoimento da vítima é claro em dizer em juízo que:
"...começou a ter relação sexual do réu com doze anos...". Ademais,
volto a mencionar, por ser de importância ímpar, que os laudos periciais de
(DNA), ultimam, na mais extremada última análise, que a autoria e a
materialidade do crime de estupro continuado ficaram plenamente evidenciada em
prejuízo deste réu. Portanto, o conjunto de provas contidos nos autos é
suficiente e robusto para embasar juízo condenatório. O exame das letras
procedimentais atesta que a vítima (...), de fato,
desde quando contava com menos de catorze anos, sofreu sequenciais e
repetitivos abusos sexuais. Ademais, mesmo após a vítima ultrapassar a idade de
14 (quatorze) anos, a mesma foi forçada a manter relações sexuais com o réu por
diversos anos, através de ameaças e agressões físicas, o que resultou no
nascimento de 08 (oito) filhos de seu próprio pai; e que foi absurdamente
privada de sua liberdade, bem como sofreu maus tratos juntamente com seus
filhos (filhos-netos). Pois bem. Em obediência ao princípio constitucional da
fundamentação e motivação das decisões judiciais, bem como em apreço à ampla
defesa e contraditório, destaco, dando atenção aos argumentos defesa, que a negativa
de autoria pelo réu (...) (modificando o depoimento inicialmente
dado em fase policial) não é capaz de desconstituir as acusações (fortemente
edificadas no transcorrer da passagem rito-processual) dirigidas contra ele,
especialmente o exame pericial e os depoimentos das testemunhas, provas
altamente contundentes na formação da convicção do julgador. Do mesmo modo
descabe qualquer desclassificação para crime diverso. Nada obstante, não se
pode chegar a outro entendimento senão o de que a negativa de
autoria/materialidade é rechaçada, afastada, refutada pelos demais elementos
probatórios produzidos ao longo da marcha processual (estes, por seu turno,
inteiramente em consonância e harmonia com um juízo condenatório). De fato,
como afirmou o MP: "... a versão eleita pelo Primeiro Acusado (negativa de
autoria com a tentativa de denegrir a imagem da vitima) restou isolada e
dissonante de todo o conjunto probatório...". Enfim, não há como serem
acatadas as teses defensivas externadas. Por último, nos inúmeros estupros
praticados, absorvo estar plenamente concretizado, no sopesar das
circunstâncias fáticas e jurídicas do presente caso, o instituto penal da
continuidade delitiva, todavia, não na modalidade qualificada do parágrafo
único do artigo 71, haja vista que os diversos estupros foram praticados em
detrimento de uma mesma vítima. In verbis: art. 71 - Quando o agente, mediante
mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e,
pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes,
devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a
pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas,
aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei
n. 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz,
considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a
pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste
Código.(Redação dada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984) Deveras, observando que o
réu cometeu sucessivos estupros contra a mesma vítima, fica claro que o agente,
mediante mais de uma ação ou omissão, praticou mais de um crime da mesma
espécie (mais de um crime de estupro) contra a mesma vítima e, pelas condições
de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, devendo-se aplicar a
pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas,
aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Mudando o quadro,
passando a analisar outro delito, a mesma linha de aquiescência com o pleito
punitivo sigo quanto ao crime de sequestro e cárcere privado. Os círculos
probatórios conduzem à indesejável conclusão de que o réu (...) privava a própria filha de sua liberdade, impedido-a de livre locomoção, o que
contribuiu sobremaneira na inaceitável formação de um ser humano com pouca
socialização e quase nenhum contato com o mundo exterior Como é amplamente
consabido a privação da liberdade mediante sequestro ou cárcere privado é
espécie subsidiária ao delito de constrangimento ilegal, e se configura quando
a autor embaraça, injustificadamente, a liberdade de locomoção da vítima,
exatamente como ocorreu in casu. Novamente, o depoimento testemunhal contribui
para a correta configuração delituosa ao asseverar "...que a vítima era
isolada e não ia para canto nenhum; que apenas saía em companhia do réu; que a
vítima falava muito pouco e assustada...". Também aqui, mais uma vez, as palavras
da vítima são contundentes ao declarar: "...que não saia de jeito nenhum
de casa, por determinação do réu; que o réu batia na declarante para ter
relações com ele e também demonstrar para as outras pessoas a sua indignação
com as gravidezes; que até gostava de sair, mas o réu não deixava...". O
próprio estado de desconhecimento quase completo da realidade, assim como a
falta de ciência e contato com o mundo fora da propriedade rural em que vivia,
plenamente demonstrados nos autos, e tudo por exigência do réu (que não
permitia que a vítima de lá se retirasse), dá conta de que o delito de cárcere
privado e a autoria recainte sobre o réu (...) estão, ambos,
devidamente claros e incontroversos, podendo, desse modo, o decreto
condenatório ser infligido ao aludido réu. Nesse crime, desde já adianto, em se
verificando que o fato é passível de ser configurado tanto na modalidade
qualificada pelo § 1º do Art. 148 (§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco
anos: I - se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente e V - se o
crime é praticado com fins libidinosos) quanto na modalidade qualificada pelo §
2º do Art. 148 (§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da
natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral. Pena - reclusão, de
dois a oito anos). Desta forma, merece destaque o fato de que no presente caso
estaríamos diante de uma situação que, aparentemente, se amolda a ambos os
parágrafos (1º e 2º, do art. 148, do CP). Em consequência, hei por bem, para
evitar o bis in idem, acolher tão somente um deles, vale dizer, o que tem a
maior pena cominada, isto é, a qualificadora estampada no § 2º do Art. 148, do
Código Penal. Por certo, a referida qualificadora é composta por vários
elementos de natureza normativa que estão a exigir valoração. Por maus-tratos
se deve entender qualquer ação ou omissão que cause ou possa causar danos ao
corpo ou saúde da vítima ou vexá-la moralmente. Por outro lado, a expressão
natureza da detenção refere-se ao modo e condições objetivas da detenção em si
mesma. No presente caso, de toda a prova produzida ficou constatado que o réu
agredia fisicamente a vítima frequentemente (maus-tratos), além de realizar a
detenção da mesma para servir de verdadeira "escrava sexual", o que
por certo ocasionou grave sofrimento físico e moral à jovem vítima. Em
consequência, compartilho entendimento que restou comprovado que o réu (...) privou a liberdade de sua filha, em cárcere privado por diversos
anos (desde sua infância até a vida adulta), resultando à vítima, em razão dos
maus-tratos sofridos e da natureza da detenção, pois a filha era forçada a ter
constantes relações sexuais com o pai, grave sofrimento físico e moral. Na
mesma toada, contra o réu (...) configurou-se da prova produzida
plena caracterização do crime de maus tratos, especialmente quanto às crianças
(filhos-netos), absolutamente privados das mínimas condições de saúde,
educação, alimentação, cuidados indispensáveis, saneamento, expondo,
concretamente, à perigo suas vidas. De mais a mais, com esteio nos depoimentos
outrora transcritos, emerge dos autos que, configurando e/ou corroborando mais
uma vez o crime de maus tratos, ficou constatado que o réu batia nos filhos da
vítima e que as marcas duravam, às vezes, três dias (fl. 135). Dessa maneira,
fica plenamente subsumida a conduta do réu ao tipo penal em comento (que assim
está redigido: "Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua
autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou
custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer
sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de
correção ou disciplina") na forma qualificada do § 3º do art. 136 (que
assim está redigido: "Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é
praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos"), como ratificam as
certidões de nascimento das crianças (juntadas à fl.s 24 e ss.). As testemunhas
que participaram, após as denúncias, da ida até o local em que viviam vítima e
agressor, são indubitáveis e firmes em dizer e corroborar as condições
inadmissíveis em que viviam a vítima e seus filhos, condições essas
determinadas pela vontade e comportamento do réu (...). No plano
em alusão, a testemunha Gildázio Batista Mendes afirmou: "...que parte de
seus filhos ou todos, seriam filhos de (...); que moram em um
local de difícil acesso, privados de assistência à saúde, educação e
alimentação; que perto não existe escola nem posto de saúde...". A
testemunha Silas de Sousa Silva também reitera que os envolvidos moravam
"... em um local de difícil acesso, privados de assistência à saúde,
educação e alimentação...". A testemunha Dulce Coelho Castro arrematou
"... que o local é muito isolado; que foi em uma caminhonete traçada, até
a casa do réu, inclusive derrubando mato; que o acesso é difícil e muito
distante; que a moradia era precária; que a casa era totalmente sem higiene;
que não dava nem par entrar; que tinha bichos nas comidas; que tinha roupas
pelo chão; que não havia nada para comer; que as crianças estavam num estado
muito ruim; que as crianças eram isoladas, inclusive uma corria da testemunha;
que três crianças menores não se aproximaram de jeito nenhum...". Assim
sendo, quanto ao réu (...) tenho por comprovadas as condutas que
resvalam na cabal existência da prática dos crimes de tipificados no art. 213
c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no
art. 226, incisos II c/c art. 71, caput c/c 148, §2º, c/c art. 136, §3º, todos
do Código Penal. Saliento, além disso, que, à luz da legislação vigente à
época, o crime de estupro, embora não tenha ocorrido lesão corporal grave ou
morte, é considerado também crime hediondo, ante o disposto no artigo 1º, inciso
V, da Lei nº 8.072/90 (antiga redação). Nada obstante, em virtude de não haver
qualquer menção a tais questões na peça acusatória, em obediência ao princípio
da correlação, deixo de tecer dilações sobre o assunto. E por todo o aqui já
exposto, e deixando para parte final propositadamente, rechaço também a
alegação de ilegitimidade ad causam do Ministério Público Estadual para
intentar a ação penal em trato aqui, eis que, ficou demonstrando que as
relações sexuais tiveram início em época que a vítima possuía idade inferior a
catorze anos, mais precisamente 12 (doze) anos, o que configura o modus de
estupro com violência presumida e, com isso, atrai também a legitimidade do
Ministério Público. Por outro prisma, após a vítima ultrapassar a marca dos 14
(quatorze) anos de idade, a mesma foi forçada a ter relações com o réu durante
muitos anos, sendo ameaçada e agredida fisicamente para tanto. A esse respeito,
súmula 608 STF: Estupro - Violência Real - Ação Penal - No crime de estupro,
praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada. Além
disso, de bom alvitre observar que rezava o antigo Art. 225 do Código Penal
(redação antiga, contudo aplicável ao caso): Art. 225 - Nos crimes definidos
nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. § 1º -
Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I - se a vítima ou seus pais não
podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis
à manutenção própria ou da família; II - se o crime é cometido com abuso do pátrio
poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. § 2º - No caso do nº I do
parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.
(revogado) Forçoso observar que, mesmo que se entendesse ser o crime de ação
penal pública condicionada à representação, só a título de argumentação, o
entendimento do STJ sempre foi remansoso no sentido que a representação não
exige formalidades exacerbadas, sendo certo que o simples comparecimento
perante a autoridade policial já é suficiente para demonstrar a vontade de ver
o acusado submetido ao processo penal (tendente à aplicação do jus puniendi
estatal), valendo, desse modo, como representação, o que, de fato, efetivamente
ocorreu nos presentes autos. Ex positis, diante das razões mencionadas, resta
incólume a atuação/iniciativa ministerial. Ré (...) No que
se tange à ré (...), corroboro entendimento de que a
pretensão punitiva externada na denúncia não merece prosperar. Impera neste
julgador sentimento de dúvida, imprecisão, incerteza, absolutamente
incompatíveis com um juízo de condenação. Abstraio que a persecução penal
carece de prova robusta a evidenciá-la da maneira necessária e adequada a
subsidiar um juízo de condenação. O próprio titular da ação penal pediu a
absolvição da aludida ré, nos termos enunciados às 162-164. De fato, os
elementos probatórios tendentes a incriminar a ré são rarefeitos e frágeis.
Vale dizer, escassos são os subsídios probatórios produzidos apud acta para a
formação de uma convicção condenatória desse magistrado. Debruçando-me sobre o
iter procedimental, noto que a própria prova testemunhal, e mesmo a arrolada
pela acusação, mostra-se incipiente no sentido de firmar com solidez a
participação efetiva (dolosa ou culposa) dessa ré. Apenas como exemplo, tomemos
a testemunha Dulce Coelho Castro, que em seu depoimento afirmou: "...que a
vítima está recebendo acompanhamento médico e psicológico; que a ré (...) demonstrava ter medo do réu; que vizinhos informaram que o réu batia
na ré (...) e a vítima...". Na mesma toada, a própria vítima
admite que: "...que o réu não falava nem para sua esposa sobre a
paternidade; que sua mãe é adoentada e não sabia que o réu era o pai das
crianças; que a sua mãe tinha medo do pai..". E, por fim, vê-se, também,
que a própria acusada nega cabalmente que tenha participado dos delitos que lhe
são imputados, e que é pessoa idosa com sérios problemas de saúde. Assim, creio
que não há provas suficientes para afirmar que a mãe da vítima possuía pleno
conhecimento e consciência das condutas criminosas praticadas pelo primeiro
denunciado. Não há prova de que houve aquiescência, concordância, omissão
dolosa ou culposa ou até mesmo aderência à conduta perpetrada pelo corréu
(...). Aliás, o tão-só fato de residir na mesma casa com a
vítima e com aquele, não leva à necessária consequência de que ela haveria se
omitido e, assim, contribuído decisivamente para o acontecimento dos delitos.
Tais ilações dependem de prova mais contundente, inexistentes, a meu ver, nesse
momento, contra tal ré. Ademais, o relato da própria vítima não traz nenhuma
informação de que essa ré tinha ciência da violência sexual perpetrada por seu
marido. Portanto, abstraio que os elementos produzidos na fase policial não
ganharam o devido respaldo em juízo, devendo, assim, diante da inexistência de
prova robusta e em respeito ao princípio do in dubio pro réu, ser absolvida a
ré (...). 3 - DISPOSITIVO Diante do exposto, levando em
consideração as provas colhidas nos autos, restando provada a materialidade e
autoria delitiva, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva externada na denúncia
para CONDENAR o réu (...), dando-o como incurso nas penas do arts. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena
prevista no art. 226, incisos II c/c art. 71, caput c/c 148, § 2º, c/c art.
136, § 3º, todos do Código Penal. Entretanto, no que se refere a ré (...), JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva externada na
denúncia para ABSOLVER a aludida processada dos crimes previstos Art. 213 c/c
art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art.
226, incisos I e II c/c art. 71, caput e parágrafo único c/c 148,§1º, incisos I
e V c/c §2º do mesmo artigo c/c art. 136, §3º, todos do Código Penal, o que
faço com espeque no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Nesse diapasão,
a inteligência do Código de Processo Penal: "Art. 386. O juiz absolverá o
réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: [...] VII -
não existir prova suficiente para a condenação" Passo, então, nesse
momento, a aplicar a sanção pertinente ao réu (...), na medida
exata à sua reprovação, prevenção e repreensão pelos crimes praticados,
dosando-lhe a pena nos termos do disposto no artigo 59 e 68, ambos do Código
Penal. I - Quanto ao crime de ESTUPRO previsto no antigo artigo Arts. 213 c/c
art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art.
226, inciso II c/c art. 71 , todos do Código Penal: A) 1ª Fase: Circunstâncias
Judiciais (Art. 59 do CP): a) Culpabilidade com grau de reprovação acentuado,
pois estuprou a própria filha desde os 12(doze) anos de idade até a vida adulta
e, ainda, como se não bastasse, com ela teve vários filhos (filhos-netos). O
réu sabia que agia ilicitamente, sendo-lhe exigida conduta diversa; b) O réu é
possuidor de bons antecedentes, não existindo registro anterior de qualquer
condenação definitiva por fato delituoso que venha desabonar essa
circunstãncia; c) A conduta social, apesar da barbárie criminal cometida, é
regular, trabalhando como lavrador, pessoa sem instrução e dedicada ao labor
rurícola de subsistência; d) Não existem dados precisos sobre a sua
personalidade, razão pela qual deixo de valorá-la; e) O motivo do crime
constitui a vontade de satisfazer seus desejos sexuais, o que já é punido pela
própria tipicidade e previsão do delito, de acordo com a própria objetividade
jurídica dos crimes de ordem sexual. Ademais, o fato do crime ter vitimado uma
filha do réu, que caracteriza causa de aumento de pena, será observado na fase
posterior, razão pela qual deixo de valorá-la neste momento, como forma de não
incorrer em bis in idem; f) Quanto as circunstâncias também as vejo
prejudiciais, vez que o acusado agia em local ermo e remoto, afastado da
comunidade local, aproveitando-se do temor reverencial, da vulnerabilidade, do
isolamento, da desinformação e falta de proteção da vítima, sua própria filha,
para o cometimento do crime. De fato, o modus operandi perpetrado depõe contra
o acusado; g) As consequências do crime foram nefastas para a vítima e,
especialmente, para os inúmeros "filhos-netos" oriundos de tal
relação incestuosa, principalmente em uma cidade do interior em que toda a
população acaba tendo conhecimento do delito. Com efeito, uma prole inteira foi
gerada em decorrência de estupros incestuosos, revelando uma consequência
negativa que vai muito além da violência sexual punida pelo tipo penal; h) Por
derradeiro, o comportamento da vítima em nada contribuiu para o evento danoso.
Dessa maneira, considerando o número das circunstâncias desfavoráveis, fixo a
pena-base em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão. B) 2ª Fase:
Circunstâncias Legais: Não concorrem circunstâncias atenuantes. Todavia,
verifico a existência de duas agravantes descritas no art. 61, inciso II,
alíneas "f" e "h", consistentes no fato do réu ter agido
prevalecendo-se de relações domésticas e de coabitação, bem como contra
criança. Assim aumento a pena em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, resultando
em 10 (dez) anos de reclusão. C) 3ª Fase: Causas de Aumento e de Diminuição:
Não se encontram presentes causas de diminuição de pena. Por sua vez,
amoldando-se ao disposto na Lei Penal, vejo que aplicável a causa de aumento de
pena prevista no artigo art. 226, II, do CP, eis que o processado é ascendente
da vítima (pai), tendo inclusive sobre ela autoridade, o que implica na
majoração da pena em sua metade, perfazendo um total, assim, de 15 (quinze)
anos de reclusão. Segundo, em se tratando de crime continuado (art. 71, CP),
como já anteriormente debatido, entendo que o quantum de aumento deve ter como
base o número de infrações criminais praticadas, ou seja, a quantidade de
resultados obtidos pelo agente. Nesse sentido tem entendido o STJ: "(...)
O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz basicamente, quanto ao art.
71, caput, do Código Penal, por força do número de infrações praticadas.
Qualquer outro critério, subjetivo viola o texto legal enfocado (precedente do
STF e do STJ). (...) (STJ, Pet 4530/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma,
julgado em 12.06.06, DJ de 14.08.06, p. 300) e "(...) No aumento da pena
pela continuidade delitiva deve-se levar em consideração o número de infrações
cometidas. Precedentes." (STJ, REsp 628639/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª
Turma, j. em 24.08.04, DJ de 04.10.04, p. 339). A par desse entendimento os
Tribunais Superiores têm adotado uma margem de aumento de 2/3 (dois terços)
quando praticados 07 (sete) ou mais crimes. Nesse sentido: "(...) O
aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art.
71, caput, do Código Penal, por força do número de infrações praticadas.
Qualquer outro critério, subjetivo, viola o texto legal enfocado. Logo, no caso
de sete ou mais infrações, o aumento deve dar-se na fração de 2/3 (dois terços)
(precedentes do STF e do STJ) (...) (STJ, RESp 773487/GO, Rel. Min. Felix
Fischer, 5ª Turma, DJ de 12.02.07, p. 294)". Pois bem. Em sendo aplicável
ao caso a regra prevista no artigo 71, do Código Penal (crime continuado), a
vista da existência concreta da prática de pelo menos 08 (oito) crimes de
estupro, haja vista que a vítima teve 08(oito) filhos com o réu, o que por
certo traz a conclusão matemática de que pelo menos em oito oportunidades
distintas a vítima foi violentada, podendo, inclusive, ter sido estuprada por
dezenas de vezes, posto que, nem sempre o estupro resulta em gravidez, majoro a
pena em 2/3 (dois terços), totalizando 25 (vinte e cinco) anos de reclusão. À
míngua de outras circunstâncias a considerar, torno a pena definitiva em 25
(vinte e cinco) anos de reclusão. Não obedecendo aos requisitos do art. 77, CP,
inviável a suspensão condicional da pena. Da mesma maneira, não se amoldando
aos ditames do art. 44, CP, incabível a substituição por pena restritiva de
direitos. Nos termos do art. 33, § 2, "a", o regime de cumprimento da
pena, inicialmente, será o fechado. II - Quanto ao crime de CÁRCERE PRIVADO
previsto 148, §2º, do Código Penal: A) 1ª Fase: Circunstâncias Judiciais (art.
59 do CP): a) Culpabilidade com grau de reprovação acentuado, pois manteve em
cárcere privado a própria filha quando ainda era menor de idade e, ainda, como
se não bastasse, durante vários anos (longo lapso temporal subjugando sua
liberdade/locomoção); b) Réu primário e bons antecedentes, não respondendo nem
condenado em nenhum outro processo criminal; c) A conduta social, apesar da
barbárie criminal cometida, é regular, trabalhando como lavrador, pessoa sem
instrução e dedicada ao labor rurícola de subsistência; c) Não existem dados
precisos sobre a sua personalidade; d) Os motivos do crime não favorecem o
acusado, pois se resumem à manter em cárcere a descendente para, com isso,
instrumentalizar e viabilizar a prática de seus intentos sexuais; e) Quanto as
circunstâncias também as vejo prejudiciais ao réu. O modus operandi perpetrado
escapa a um nível que se possa considerar comum ou ordinário ao crime. De fato,
o acusado agiu em circunstâncias condignas da mais alta repressão, haja vista
que realizou o cárcere em local de dificílimo acesso, mantendo a vítima durante
anos longe de contato com a sociedade, subjugando-a, excluindo-a do convívio
social; f) As consequências do crime foram nefastas para a vítima,
especialmente porque, em razão do cárcere a vítima foi absolutamente impedida
do contato normal com a sociedade, retirando, quase que absolutamente, todas as
perspectivas, anseios, experiências e demais caracteres essenciais a vida de
qualquer ser humano; g) Por derradeiro, o comportamento da vítima em nada
contribuiu para o evento danoso. Nesse crime, ressalto que a segunda forma
qualificada (§ 2º, do art. 148, CP), como já anteriormente dissertado,
mostrou-se devidamente configurada, eis que a vítima em razão de maus tratos e
da natureza da detenção sofreu grave sofrimento moral. Dessa maneira,
considerando a preponderância das circunstâncias desfavoráveis, fixo a
pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão. B) 2ª Fase: Circunstâncias Legais:
Não concorrem circunstâncias atenuantes. Todavia, verifico a existência de três
agravantes descritas no art. 61, inciso II, alíneas "e",
"f" e "h", consistentes no fato do réu ter agido contra
descendente (filha), prevalecendo-se de relações domésticas e de coabitação,
bem como contra criança. Assim aumento a pena em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses,
resultando em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão. C) 3ª Fase: Causas
de Aumento e de Diminuição: Não vislumbro causas de aumento ou de diminuição de
pena. À míngua de outras circunstâncias a considerar, torno a pena definitiva
em 07 (sete) anos 06 (seis) meses de reclusão. Não obedecendo aos requisitos do
art. 77 (especialmente caput e inciso II), CP, inviável a suspensão condicional
da pena. Da mesma maneira, não se amoldando aos ditames do art. 44
(especialmente inciso I e III), CP, incabível a substituição por pena
restritiva de direitos. Nos termos do art. 33, § 2º, "b", o regime de
cumprimento da pena, inicialmente, será o semi-aberto. III - Quanto ao crime de
MAUS-TRATOS previsto no art. 136, §3º, do Código Penal: A) 1ª Fase: Circunstâncias
Judiciais (Art. 59 do CP): a) Culpabilidade com grau de reprovação acentuado,
pois concretizou o crime de maus tratos contra diversas crianças, seus filhos,
deixando-as em estado de completa penúria e total falta de condições (mínimas)
em uma localidade de dificílimo acesso; b) Réu primário e bons antecedentes,
não respondendo nem condenado em nenhum outro processo criminal; c) A conduta
social, apesar da barbárie criminal cometida, é regular, trabalhando como
lavrador, pessoa sem instrução e dedicada ao labor rurícola de subsistência; d)
Não existem dados precisos sobre a sua personalidade; e) Os motivos do crime
também ficam à neutralidade, pois não abstraio dos autos a motivação que
alavancou a prática dos maus tratos contra referidas vítimas; f) Quanto as
circunstâncias, as vejo prejudiciais, vez que o acusado agiu em circunstâncias
condignas da mais alta repressão, isso levando em conta que as vítimas eram
seus "filhos-netos" e, mormente, porque foram fruto de reprovável
situação incestuosa; g) As consequências do crime foram funestas para as
vítimas porquanto, em razão dos maus tratos e isolamento social, observa-se
como resultado crianças extremamente arredias, dessocializadas, sem as
inafastáveis experiências sociais e educação necessárias a um sadio
desenvolvimento físico e mental de qualquer pessoa.; h) Por derradeiro, o
comportamento das vítimas em nada contribuíram para o evento danoso. Dessa
maneira, considerando o empate das circunstâncias judiciais, fixo a pena-base
em 06 (seis) meses de detenção. B) 2ª Fase: Circunstâncias Legais: Não
concorrem circunstâncias atenuantes. Todavia, verifico a existência de três
agravantes descritas no art. 61, inciso II, alíneas "e",
"f" e "h", consistentes no fato do réu ter agido contra
descendentes (filhos), prevalecendo-se de relações domésticas e de coabitação,
bem como contra criança. Assim aumento a pena em 03 (três) meses, resultando em
09 (nove) meses de detenção. C) 3ª Fase: Causas de Aumento e de Diminuição: Não
antevejo causa de diminuição de pena. Aumento a pena em um terço (art. 136, §
3º), tendo em conta que o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze)
anos, resultando em 01 (um ano) de detenção. À míngua de outras circunstâncias
a considerar, torno a pena definitiva em 01 (um) ano de detenção. Não
obedecendo aos requisitos do art. 77 (especialmente caput e inciso II), CP,
inviável a suspensão condicional da pena. Da mesma maneira, embora os incisos I
e II do art. 44, CP, pareçam ser favoráveis ao réu, tenho que o inciso III do
mesmo artigo é insuperável, não permitindo, pelos motivos já expostos na
fundamentação deste decisum a substituição da pena por pena restritiva de
direitos. Nos termos do art. 33, § 2, "c", o regime de cumprimento da
pena, inicialmente, será o aberto. Não obstante, obtém-se o raciocínio que é da
inércia ou inoperância estatal em punir o autor do injusto dentro dos lapsos
razoáveis estabelecidos no art. 109 e incisos do Código Penal que se produz o
instituto da prescrição. A rigor, não há de se falar em jus puniendi como sendo
um direito que o Estado possa exercer eternamente, devendo, portanto, serem
observados os prazos listados na legislação, sob pena de perecimento do poder
punitivo estatal em relação aos autores de violações às normas penais. Como é
sabido, o fenômeno da prescrição pode se manifestar através de duas modalidades
diversas, que são a prescrição da pretensão punitiva e da pretensão executória.
Nessa ordem de pensamento, sendo lícita a afirmativa que o Estado possui o
poder-dever de punição todas as vezes que se dá violação de norma penal,
deve-se ter em mente também que ao acusado é assegurado o direito de ser
processado de forma justa e democrática, inclusive observando-se prazos
razoáveis para a conclusão do feito. Pois bem. Tendo em vista que o recebimento
da denúncia se deu no dia 21 de julho de 2010, portanto há mais de 04 (quatro),
o presente caso concreto encontra-se prescrito já que pela dicção do art. 109,
V, do Código Penal, que afirma que quando aplicada pena privativa de liberdade
de até 01(um) ano o crime prescreve em 04 (quatro) anos. Com efeito, é cediço
que a prescrição, sendo matéria de ordem pública, deve ser decretada, quando
reconhecida, em qualquer fase do processo, de ofício ou a requerimento das
partes. Ante tais condições e com lastro em tudo o mais que dos autos consta,
DECLARO PRESCRITO O CRIME DE MAUS-TRATOS, à luz do que dispõe o artigo 107,
inciso IV c/c artigo 109, todos do Código Penal. IN FINE, desponta, na hipótese
dos autos, o concurso material de delitos. Pelo que, somando a pena de 25
(VINTE E CINCO) anos de reclusão aplicada ao crime de estupro continuado, mais
a pena de 07 (SETE) anos e 06 (SEIS) meses anos de reclusão aplicada ao crime
de sequestro/cárcere privado, RESULTA UMA PENA TOTAL DEFINITIVA DE 32 (TRINTA E
DOIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO. Nos termos do art. 33, § 2º,
"a", o regime de cumprimento da pena, inicialmente, será o FECHADO, a
ser cumprida na Unidade Penitenciária de Balsas/MA, procedendo-se à devida
detração da pena privativa de liberdade cumprida em caráter cautelar.
Considerando que, em decisão fundamentada, já colacionada nos autos, em virtude
da grave situação de saúde do réu (...), atualmente agraciado
pela substituição da prisão preventiva por cautelar de prisão domiciliar,
CONCEDO AO PROCESSADO O DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. Isso porque
revelar-se-ia um contrassenso segregá-lo nessa fase processual, nos termos de
orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, sem motivação
idônea. Isento o acusado no pagamento das custas processuais em razão de sua
reconhecida hipossuficiência financeira. De outra banda, tendo em vista que os
réus encontram-se patrocinados pelo Dr. Crisógono Rodrigues Vieira, OAB-MA
3180, atualmente exercendo o cargo de Prefeito do Município de Riachão, o que o
impossibilita de atuar na presente, determino a intimação pessoal dos réus para
devida ciência do teor da sentença, bem como para constituírem novo causídico,
no prazo legal. Em não sendo constituído patrono no prazo legal, nomeio o Dr.
Agnaldo Coelho de Assis, OAB-MA 12.120, para fins recursais e demais atos
processuais. Intimem-se as vítimas acerca desse decisum. Dê-se ciência ao
Ministério Público Estadual. Publique-se. Registre-se. Intime-se, sendo que os
réus pessoalmente. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu condenado
no rol dos culpados, com as anotações e comunicações de rigor, expedindo-se a
competente Guia de Execução Criminal. Comunique-se à Justiça Eleitoral, para o
lançamento dos procedimentos correspondentes quanto à suspensão dos direitos
políticos do réu (art. 15, III, da Constituição Federal). Riachão-MA, 20 de
outubro de 2014. ALESSANDRO ARRAIS PEREIRA Juiz de Direito - Titular da Comarca
de Riachão-MA Resp: 1503218
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