1. FINALIDADE
Recebi uma provocação de
um amigo de infância, Pedro Américo Pinheiro Câmara, acerca de uma sentença,
proferida pela 2ª Vara Cível da Comarca de São Paulo (Processo n.
011.06.119342-9), acerca do "Ronaldo de Lula", o Lulinha (ou Fábio Luís Lula da Silva), cujo inteiro teor está disponível na rede mundial de
computadores,[1]
sendo que resolvi tecer aqui alguns comentários.
2. DESENVOLVIMENTO
Não tratarei de todo
processo, mas da sentença que julgou improcedente o pedido de reparação de
danos morais, formulado por Fábio Luís Lula da Silva contra a Editora Abril
S.A. e Alexandre Oltramari, em face da Edição n. 1979 da Revista Veja, de
25.10.2006, intitulada “O Ronaldo de Lula”.
Na parte relativa aos recursos, menciono aspectos não inseridos na sentença, os quais não serão melhor explicitados aqui porque, no tocante à imprensa, não houve significativa alteração.
A matéria impugnada faz
um paralelo entre o autor e Ronaldo Luís Nazário de Lima, o "Ronaldo Fenômeno do futebol", isso porque o pai de
Fábio Luís Lula da Silva, enquanto Presidente da República, disse que este era
um fenômeno dos negócios, isso quando indagado sobre o crescimento vertiginoso
da Empresa GamesCorp (do seu filho), vinculado o sócio do autor, Kalil Bittar,
a influentes lobistas de Brasília.
Houve divulgação
autorizada da imagem do autor (inclusive na capa da revista), mas entendeu ele
que houve dano moral cujo valor deveria ser arbitrado pelo juízo. Porém, em
contestação, os réus sustentaram que o autor é pessoa pública, que o paralelo
entre ele e o jogador de futebol foi feito pelo seu pai e que os fatos são de
interesse público, estando sendo investigados pela CVM e pelo Ministério
Público e divulgados por outros meios de comunicação de massa. Com isso, não
houve qualquer pretensão ofensiva, mas de informação baseada na informação de
fontes concretas, inclusive de Alexandre Paes Santos, que detalhou suas
atividades de lobista, ao lado do seu
sócio, Kalil Bittar.
Como fundamento da
decisão, a juíza, em apertada síntese, expôs:
(a) a legislação brasileira,
desde o Decreto de 18.11.1823, considera a liberdade de imprensa “um dos mais
firmes sustentáculos dos governos constitucionais”, fazendo rápida apresentação
da evolução legislativa para afirmar que “o legislador brasileiro sempre quis
assegurar a liberdade de imprensa, vedada a censura, restringindo a
responsabilidade dos órgãos de imprensa à ocorrência de abuso”;
(b) vislumbrou o conflito
entre princípios constitucionais: liberdade de imprensa (art. 5º, inc. IX, e
art. 220 da Constituição Federal) e inviolabilidade da honra e da imagem da
pessoa (art. 5º, inc. X, da Constituição Federal). Porém, invocando lições
doutrinárias, inclusive do referencial teórico acadêmico e imprescindível sobre
o assunto – Robert Alexy – conclui que a imprensa divulgar fatos de interesse
público é mais do que um direito, é um dever;
(c) o repórter demonstrou
não ter sido irresponsável, uma vez que investigou profundamente os fatos,
sendo que – posteriormente à reportagem – foi “comprovada pela edição do
decreto presidencial e pela compra da Brasil Telecom pela Oi, antiga Telemar e
que integrava a GameCorp, da qual o autor era sócio (consoante o esquema
trazido na petição inicial, à f. 4).
A sentença, datada de
20.11.2009, me faz lembrar de aspectos importantes:
(I) no dia 8.7.2008,
Daniel Dantas foi preso, isso como resultado da Operação Satiagraha, da Polícia
Federal, enquanto todos comentavam que ia acontecer a operação entre a Oi e a
Brasil Telecom, com investimentos da própria República Federativa do Brasil,
ela se realizou;
(II) com tudo acontecendo
às escâncaras, em 10.12.2013, nos autos da apelação n.
0170712-77.2010.8.26.0000, deu-se provimento parcial ao apelo de Fábio Luís
Lula da Silva. Sendo essa a conclusão do relator:
Pelo exposto, DÁ-SE
PROVIMENTO EM PARTE ao recurso para condenar-se o requerido Alexandre Paes dos
Santos a compensar o autor, por dano moral, na forma constante da
fundamentação, além das custas do processo e honorários advocatícios fixados em
15% sobre o valor devido, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC e reduzir os
honorários advocatícios a que foi condenado o autor a pagar aos requeridos
Editora Abril e Alexandre Oltramari para R$ 2.000,00, na data deste julgamento,
por equidade, em conformidade com o art. 20, § 4º, do CPC, a partir de quando
serão atualizados pelos índices da Tabela Prática do TJSP. Juros de mora de 1%
ao mês somente serão devidos, não havendo o cumprimento espontâneo, a partir da
intimação para pagamento.
O decisum, tomado por maioria, ficou assim ementado:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL – Dano Moral – Gravação de
entrevista feita por jornalista na qual o entrevistado se refere ao autor como
“idiota”, “uma decepção” e ainda, ser portador de uma “disfunção”, da qual toma
conhecimento do conteúdo pela juntada da degravação do CD em outra ação –
Injúria - Ainda que a opinião pessoal sobre uma pessoa seja expressa em
ambiente familiar, de confradaria ou num círculo particular e sem repercussão
pública, é inadmissível que se possa tecer qualquer tipo de comentário ofensivo
à dignidade ou ao decoro de outrem, livre de qualquer consequência. A liberdade
de opinião é consentânea ao dever de reparar o mal causado – Inequívoca
intenção de ofender – Inexistência de culpa do Semanário e do jornalista –
Juntada aos autos da degravação da conversação entre os corréus, indispensável
diante da negativa do interlocutor quanto a sua realização, estando inserido no
direito de ampla defesa, uma vez que a liberdade de imprensa, nestas
circunstâncias, não isentava o veículo de comunicação da prova, não da veracidade
da notícia, mas da existência da imputação veiculada contra o autor -
Honorários advocatícios – Redução - Recurso provido em parte.
Foram opostos embargos de
declaração, sendo que, em 25.3.2014, eles foram rejeitados, havendo recurso
especial pendente de análise de admissibilidade no Superior Tribunal de
Justiça. De qualquer modo, em relação à imprensa, a decisão colegiada não inova, haja vista que a condenação (em sede recursal) se refere a uma pessoa que foi entrevistada pelo repórter e que foi fonte da matéria publicada.
3. CONCLUSÃO
Hoje eu lia um livro e
fiz um grifo com nota marginal em que consignei “perguntas inquietantes”:
“Por que membros de
famílias paupérrimas preferem morrer a roubar? Por que políticos, magistrados,
delegados, que têm uma boa posição social e recebem polpudos salários, se
acumpliciam com o crime organizado? Por que pessoas bem posicionadas desviam
dinheiro da merenda escolar?”[2]
Não estou afirmando que
há corrupção de magistrado, até porque Alexandre Paes dos Santos não é citado
na sentença de 1ª instância. Também, a sentença não menciona os argumentos
relativos à suposta injúria, cujo lugar próprio seria o foro criminal. Por
isso, parece-me estranho que a 1ª Câmara de Direito Privado, por relatoria de
Alcides Leopoldo e Silva Júnior, tenha reformado parcialmente a sentença, dando
ensejo a continuar a discussão sobre a matéria.
O Brasil parece pretender
apenas o erro, a falácia etc. Fico tentando alertar para a necessidade, nestes
tempos de eleição, pretender mudar o poder e a cultura de mantermos regimes
totalitários (correntes na história do Brasil), em que há alternância de governantes,
mas se mantém o mesmo núcleo de poder.[3] Por
isso, espero mudanças, e no caso da sentença exposta, somente à vista dos autos
poderia dizer se a manteria.
[1] BRASIL.
TJSP. 2ª Vara Cível da Comarca de São Paulo. Processo n. 011.06.119341-9. Juíza
de Direito Auxiliar Luciana Novakoski F. A. de Oliveira. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/decisao-lulinha-editora-abril.pdf>.
Acesso em: 22.6.2014, às 17h38.
[2] LISBÔA,
Antonio Marcio Junqueira. A primeira
infância e as raízes da violência: propostas para a diminuição da
violência. Brasília: LGE, 2007. p. 63.
[3] MESQUITA
JÚNIOR, Sidio Rosa de. Entre dois
totalitarismos, o militar e o petista. Disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com.br/2014/05/entre-dois-totalitarismos-o-militar-e-o.html>.
Acesso em: 22.6.2014, âs 19h22.
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