Já tive oportunidade de
dizer pessoalmente a Afrânio Silva Jardim, quando lhe entreguei um livro da
minha autoria, que o considero o maior processualista, em matéria criminal.
Ele tem histórico
acadêmico ovacionado por muitas turmas de alunos. É deveras respeitado no meio
jurídico. Mas, há algum tempo que ele vem manifestando estar desgostoso com os
rumos que a política e o sistema de justiça vêm seguindo.
Hoje, transcrevo um texto
que ele disponibilizou em uma rede social e depois farei alguns comentários
porque já comentei anteriormente sobre alguns aspectos, no mesmo sentido. É bom
quando verificamos pessoas com perspectivas que se aproximam das nossas.
Segue o texto:
O OBSCURANTISMO ESTÁ NOS DESTRUINDO. NÃO HÁ
SALVAÇÃO NESTE MODELO DE SOCIEDADE !!!
Começo asseverando que o conhecimento e a cultura estão fora de moda.
Raciocínio lógico está fora de moda. Ciência está fora de moda. O moderno é
“ter fé”, vale dizer, acreditar no que dizem alguns espertalhões, sem qualquer
prova.
Muito estranho, mas é verdade: estou me sentindo uma espécie de
"estrangeiro" onde nasci e sempre vivi.
Esta inadaptação pode resultar um pouco da minha idade. O velho não tem
muita paciência e se torna muito exigente com as coisas em geral.
O fato é que não gosto da nossa imprensa empresarial; não mais gosto do
que faz o nosso sistema de justiça criminal; detesto a maioria dos governantes;
nunca gostei do nosso modelo de sociedade, injusto, capitalista, desigual,
individualista e hipócrita; estou decepcionado com o nosso povo que escolheu,
para Presidente da República, uma pessoa ignorante e asquerosa (adepta da
tortura e do extermínio de seus adversários).
Acho que estou assistindo à derrocada de quase todos os valores que
sempre estiveram presentes em minha vida, pelos quais sempre lutei.
Enfim, não gostaria de terminar a minha existência no seio de uma
sociedade tão ruim como esta.
Não posso deixar de registrar o meu desencanto com a "comunidade
jurídica", onde me realizei profissionalmente. Explico.
Salvo as sempre existentes exceções, os juristas de meu país estão
absolutamente omissos diante da chegada de algo muito parecido com o fascismo.
Muitos a tudo se submetem, por opção ideológica mesmo, outros por mero
oportunismo e carreirismo. A maioria dos advogados não quer comprometer sua
atividade profissional e continua a bajular ministros e desembargadores ou
poupa de críticas as mazelas do nosso Poder Judiciário.
A maior parte da juventude, mormente os estudantes, está alienada e só
pensa em seus interesses mais imediatos. Viciados em tecnologia, as novas
gerações se afastam, cada vez mais, da cultura, do conhecimento científico, das
lutas sociais e do conhecimento histórico. Justiça social não é, nem de longe,
uma de suas principais preocupações. Para este jovens, mais importante é trocar
o celular por um de última geração... Os outros ... são os outros ...
Nos atuais dias, poucos se preocupam com a dor alheia, poucos se
preocupam com o sofrimento dos outros.
Hedonismo e individualismo estão cada vez mais predominando em nossa
sociedade, competitiva e alienante.
Uma sociedade que pouco se incomoda com a morte de mais de quinhentos e
sessenta mil pessoas é uma sociedade que “não deu certo”. Notem que muitas
destas mortes seriam evitáveis ... Trata-se de uma tragédia dolorosa demais
para ser tão facilmente tolerada. Estamos doentes em todos os sentidos ...
A minha derradeira esperança, para mudar todo este deletério estado de
coisas, era a rebeldia dos jovens, que pouco teriam a conservar. Decepção.
Dentre eles, não é muito fácil encontrar uma consciência verdadeiramente
crítica.
Nos dias de hoje, muitos jovens são levados, facilmente, pelos modismos
criados pelos projetos empresariais, muitos destes projetos comerciais são
concebidos no estrangeiro. As crianças estão robotizadas pela gananciosa
propaganda, sob os olhares complacentes de seus pais infantilizados.
Seria infindável a minha "choradeira". Mas quero terminar
lamentando o crescente fundamentalismo religioso que, indevidamente misturado
com a política, cria condições para uma sociedade obscura, conservadora e
inimiga da cultura e do conhecimento científico. A razão perde espaço para as crendices.
A lógica perde espaço para o raciocínio de difícil entendimento.
Mais uma vez confesso que não sei o que fazer. Entretanto, sei que não
posso deixar de fazer alguma coisa.
Na verdade, estou achando que aqui não é o meu lugar. Parentes, alguns
poucos amigos e vocês, leitores desta página, ainda me dão alguma esperança de
eu poder fazer alguma coisa útil neste ambiente tão hostil.
De qualquer forma, ainda tenho esperança de que meus netos possam viver
em uma sociedade menos ruim. Vamos continuar lutando para que isso aconteça ...
Como disse em mensagem anterior, parodiando uma linda música de Victor
Heredia, ouso dizer que ainda sinto “estar vivo entre tantos mortos".
Enquanto continuar achando que realmente a vida vale a pena, vou continuar
tentando ressuscitar alguns destes zumbis ...[1]
Logo
de início quando ele afirma que “o conhecimento e a cultura estão fora de moda”, faz-me recordar que Friedrich Nietzsche (1844-1900) já dizia que a Alemanha
da sua época era assim, não buscava o conhecimento. Aliás, a preguiça humana para a busca do conhecimento,
foi reafirmada por Martin Heidegger (1889-1976):
A vida cotidiana faz do homem um ser
preguiçoso e cansado de si próprio, que, acovardado diante das pressões
sociais, acaba preferindo vegetar na banalidade e no anonimato, pensando e
vivendo por meio de ideias e sentimentos acabados e inalteráveis, como ente
exilado de si mesmo e do ser”.[2]
Hoje, conforme Afrânio S. Jardim afirma, é
mais fácil se deixar levar e valorizar equipamentos eletrônicos. Ficamos vazios
e pouco fazemos para ajudar os outros. Nesse ponto, procuro ser um diferencial,
visto que procuro sempre estar ajudando pessoas. Exerço advocacia privada
exclusivamente pro bono, enfrentando muitos dissabores para tanto.
Ainda bem que ele lembrou que existem exceções
que não vivem a bajular Juízes. Eu já enfrentei processo criminal porque apelei
em favor de um réu absolvido, mas que – ao meu entender – teve prisão abusiva
desde o momento em que ficou provada a sua inocência. Tal ação criminal,
promovida pelo MPDFT foi extinta pelo TJDFT, em sede de habeas corpus:
CALÚNIA E INJÚRIA EM ALEGAÇÕES FEITA POR ADVOGADO EM
RECURSO. INEXISTÊNCIA DE DOLO. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL.
1. Não há crimes de calúnia e injúria se as alegações,
conquanto impróprias e excessivas, foram feitas pelo advogado, no exercício da
defesa de seu constituinte, mas sem o animus de caluniar e ofender a honra de magistrado.
2. Inexistente o animus de ofender, atípica a conduta, não crime, caso
em que será a denúncia rejeitada por falta de justa causa.
3. Ordem concedida. (TJDFT. 2ª Turma
Criminal. Habeas Corpus n. 0700791-29.2018.8.07.0000.
Relator Jair Soares. Julgamento em 22.2.2018. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>.
Acesso em: 17.9.2020, às 12h23)
O hedonismo, enquanto filosofia de vida de um prazer desmedido e constante, certamente leva ao fracasso. Mas, concordo
com Afrânio Silva Jardim, no sentido de que essa filosofia está presente na sociedade
do momento.
Não escreverei muito e, tendo 54 anos de idade
– no próximo dia 14 terei 55 anos -, vejo com tristeza e alegria o desalento de
alguém que é um pouco mais velho do que eu porque AFRÂNIO SILVA JARDIM AINDA
CONSIDERA QUE A VIDA VALE A PENA e continua a tentar “ressuscitar alguns destes
zumbis”.
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