Vi ontem, dia 28.3.2013, em um livro a seguinte homenagem: “Ao Poder
Judiciário brasileiro, bravo, corajoso e firme defensor dos direitos e
garantias humanas fundamentais”.[1]
Porém, não obstante a homenagem ter partido de um Desembargador de Justiça, de um
magistrado com larga experiência jurídica, a sentença que se segue evidencia o
contrário.
Em http://www.espacovital.com.br/noticia_complemento_ler.php?id=2752¬icia_id=29166,
é possível encontrar notícia que evidencia ter a decisão abaixo chamado a
atenção das pessoas e suscitado críticas negativas a ela. Segue a íntegra do decisum, com destaques que faço no mesmo
para demonstrar que o Juiz Federal Substituto que o prolatou se vê em plano
completamente distinto do ocupado por serventuários do Poder Judiciário:
PROCEDIMENTO
COMUM DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5008083-73.2012.404.7202/SC
AUTOR
: EMILIANO BIANCHI DORNSBACH
ADVOGADO
: RAFFAEL ALBERTO RAMOS
RÉU
: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
SENTENÇA
Trata-se
de embargos de declaração opostos na forma do art. 535 e seguintes do CPC, em
que se sustenta a existência de nulidade, omissão e contradições na sentença
proferida no evento 24.
Decido.
São
cabíveis embargos de declaração quando houver obscuridade, contradição ou for
omitido ponto sobre o qual o juiz deveria se pronunciar. Outra hipótese de
manifestação do juiz, após proferido o julgado, ocorre nos casos de inexatidões
materiais ou erros de cálculo que podem ser corrigidos ex officio pelo julgador. São estes os pressupostos de
admissibilidade dos embargos, de modo que, para hipóteses diversas, uma vez
proferida a sentença, é defeso ao juiz retratar-se para mudar-lhe o teor,
ficando adstrito em seu pronunciamento a sanar eventuais omissões, contradições
ou obscuridades e, ainda, corrigir-lhe erros materiais ou de cálculo.
Analiso
o caso concreto.
1)
Seria nula a sentença por adotar, para rejeição do pedido, causa de pedir não
ventilada na petição inicial:
Também
vislumbra-se
[sic] a nulidade quando a sentença trouxe por fundamento causa de
pedir não relatada pelo demandante - essa é a taxada incongruência objetiva, de
acordo com Didier Jr. (2010). Ao referir que os recolhimentos serão de alguma
forma incorporados para o cálculo da renda, o Juiz escapa aos limites da causa
de pedir imposta pela parte autora, o que configura a prolação de sentença
extra petita.
Basicamente,
a fundamentação da sentença de improcedência com argumento não mencionado na
petição inicial caracterizaria a nulidade da sentença. Considerando-se então
que a Fazenda Pública não conteste a ação - ou o faça deficientemente, sem
abordar o ponto entendido como relevante pelo magistrado - o julgador estaria
impedido, sob pena de nulidade da sentença a ser proferida, de julgar
improcedente o pedido, desde que o autor não tenha, em sua petição inicial,
feito referência ao fato impeditivo de seu alegado direito ou a interpretações
contrárias a seus interesses, que, dessa forma, não poderiam ser abordadas, de
ofício (?), na sentença, sob pena de violação ao princípio da
congruência.
A tese é tão brilhante
que deve o autor levá-la ao relator do projeto do novo CPC para que venha a ser
acolhida no novo código. Por ora, porém, na
vigência do atual CPC - arcaico, não estando à altura do brilhantismo
ímpar da tese evidentemente genial (!) do embargante -, o acolhimento,
de ofício, de fundamento apto, por si só, para rejeição do pedido, não abordado
na petição inicial ou em contestação, caracteriza pura e simplesmente a
aplicação do direito ao caso concreto (narra
mihi factum dabo tibi jus), não estando o Juiz vinculado à linha de
argumentação de qualquer das partes, máxime em se tratando de matéria de
direito público, em que incide a indisponibilidade dos interesses de ordem
tributária, não sujeitos a serem comprometidos em razão de supostas
deficiências na contestação da Fazenda Nacional, ou mesmo a linhas de
argumentação expostas nas petições iniciais que não sejam passíveis de
afastamento mediante acolhimento de fundamentações externas, não mencionadas
internamente àquilo que o autor, impropriamente, chama de causa de pedir.
O
que se tem, na espécie, é pura e simplesmente um pedido de reconsideração,
travestido de embargos de declaração, cujas implicações processuais serão
abordadas mais à frente.
2)
Seria omissa a sentença por não ter considerado o recente entendimento da Turma
Recursal de Santa Catarina sobre o tema.
Observo
que a sentença mencionou de forma expressa o entendimento da TRSC, favorável ao
acolhimento do pedido, e rejeitou seus argumentos, adotando de forma motivada
orientação diversa.
Portanto,
o que se tem na espécie é pura e simplesmente um pedido de reconsideração,
travestido de embargos de declaração, fundado em supostamente nova (ou mantida)
orientação jurisprudencial mais benéfica, cujas implicações
processuais serão abordadas mais à frente.
3)
Seria contraditória a sentença porque, concluo, em síntese, não acolheu - agora
meritoriamente - a tese de brilhantismo ímpar, de
elaboração claramente genial do embargante, com linha de raciocínio muito acima
da inteligência mediana da comunidade jurídica.
Observo que toda a
argumentação consiste pura e simplesmente num pedido de reconsideração,
travestido de embargos de declaração, fundado em repetição de argumentos já
antes expostos na petição inicial e abordados na sentença, que refutou sua alegada
procedência.
Observo
também que o embargante, Técnico Judiciário em exercício no JEF desta Subseção,
em causa cujo valor é de R$ 1.000,00, dá-se o trabalho de redigir embargos de
declaração sabidamente incabíveis e de extremamente improvável
acolhimento, supostamente por meio de advogado, de 6 (seis) páginas, nas quais tem
o atrevimento de dizer que a sentença julgou contra a Lei. É
lamentável ver um servidor da própria Justiça Federal cuspindo no produto
(sentença) da atividade fim da instituição a que pertence, que paga seu salário
e que sustenta sua família. Discordâncias, sempre, devem ser demonstradas de
forma cordial e respeitosa, máxime em ações movidas por integrante -
estagiário, servidor ou magistrado - da própria instituição, não sendo os embargos
de declaração o veículo adequado para que o subordinado, supostamente por meio
de advogado, aproveite para dizer ao chefe aquilo que, frente à frente, não
teria coragem, nem autoridade, para dizer. Quero deixar registrado que outro(a)
magistrado(a) desta Subseção tomou conhecimento do teor da sentença e dos
embargos, espontaneamente, sem provocação de minha parte, de forma acidental,
comentando-me o lamentável e evidente propósito dos embargos de desqualificar
decisões judiciais.
Neste sentido, não perco
a oportunidade de registrar que, no dia em que o embargante for aprovado no
concurso de Juiz Federal, aos 27 anos de idade, em três oportunidades, obtendo
um primeiro e um segundo lugares (sendo que neste último caso o primeiro lugar
somente foi assumido por terceiro candidato após a pontuação dos títulos), terá
condições intelectuais de dar lições de processo civil a este julgador -
refiro-me às imperdíveis lições relativas à suposta incongruência objetiva
(Didier, 2010) -, devendo, até lá, situar-se dentro da comunidade jurídica e
atuar dentro de suas limitações, seja de ordem jurídica, seja de ordem
hierárquica, lembrando-se que, nas não raras ausências dos Juízes Titular e
Substituto do Juizado Cível, tenho a titularidade plena deste órgão judiciário,
oportunidade em que, qualquer que seja o entendimento de servidores e
magistrados nele atuantes, jamais serão eles taxados de contrários à Lei, mas
eventualmente substituídos por outros, considerados mais adequados, da mesma
forma pela qual, entendendo um servidor que a decisão judicial é contrária à
Lei, deverá respeitar o entendimento dissonante de suas compreensões, levando
seus reclames ao órgão recursal competente, abstendo-se de utilizar recurso
inadequado para cutucar magistrado ou para tentar dar aulas de Direito para as
quais não tem qualificação nem conhecimento jurídico suficientes.
Analisados
os três apontados defeitos (nulidade, omissão e contradição), concluo que o
embargante rasga o dicionário tentando, a todo custo, enquadrar
como omissões, contradições e nulidades aquilo que, de forma clara, consiste em
simples pretensão de prevalência de seu entendimento sobre o tema.
Passo
então à análise das implicações processuais decorrentes.
1)
Considerando a incúria no manejo dos embargos de declaração, interpostos de
forma nitidamente incabível, com propósitos inadmissíveis nesta espécie
processual, constato a presença de embargos manifestamente protelatórios, aos
quais se dirige a sanção prevista no art. 538 do CPC:
Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a
interposição de outros recursos, por qualquer das partes. (Redação dada pela
Lei nº 8.950, de 1994)
Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os
embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a
pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da
causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10%
(dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso
ao depósito do valor respectivo.
Aplico
a multa de 1%, portanto.
2)
Os embargos incabíveis têm, em geral, sido reconhecidos pela jurisprudência
como interruptivos do prazo recursal. Em regra, apenas os embargos
intempestivos não têm o condão de interromper o prazo do recurso cabível
(apelação / recurso inominado). Trata-se de orientação jurisprudencial
benéfica, destinada a evitar situações de discordância em comuns zonas
cinzentas, dúbias, quanto a se ter, ou não, omissões e contradições no julgado.
No
caso, porém, ficou evidente a natureza estritamente modificativa, de pedido de
reconsideração propriamente dito - para não se falar em propósitos menos nobres
-, dos embargos opostos contra a sentença, que de modo expresso fundamentou,
exaustivamente, as questões supostamente omitidas. O que se percebe é que
houve, por todos os fundamentos expostos nos EDcl, um pedido de reconsideração,
travestido de embargos de declaração. Em tal hipótese, os embargos não têm
efeito interruptivo, conforme decidido pelo STJ e divulgado em seu informativo
n. 509:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO RECURSAL. Os embargos de declaração
consistentes em mero pedido de reconsideração não interrompem o prazo recursal.
Os embargos de declaração, ainda que rejeitados, interrompem o prazo recursal.
Todavia, em se tratando de pedido de reconsideração, mascarado sob o rótulo dos
aclaratórios, não há que se cogitar da referida interrupção. Precedente citado:
REsp 964.235-PI, DJ 4/10/2007. AgRg no AREsp 187.507-MG, Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, julgado em 13/11/2012.
No
âmbito do TRF-4, o entendimento não é outro, valendo salientar, também, que o
nomem iuris (formal) da peça processual (embargos de declaração) não define o
que ela, em verdade (substancialmente), é (pedido de reconsideração):
[...] 1. Os embargos de declaração são meio processual idôneo
para veicular pretensão atinente à hipótese objeto do artigo 535 do CPC. A
ausência de tais situações hipotéticas fragiliza a utilização do remédio
processual. 2. A causa de pedir e o pedido concernentes à rediscussão do mérito
da decisão, conquanto articulados em peça nominada de aclaratórios, revela
pedido de reconsideração. A classificação da peça processual deriva do seu
conteúdo e não do nomen juris a ela conferido. 3. O pedido de reconsideração
não ostenta aptidão para interromper o prazo para interposição de recursos.
Precedentes. 4. [...] (TRF4, AG 0004345-74.2011.404.0000, Quarta Turma, Relator
Luís Alberto Dazevedo Aurvalle, D.E. 26/11/2012)
No
âmbito do procedimento do JEF, os embargos excepcionalmente suspendem, e não
interrompem, o prazo do recurso cabível (Lei n. 9.099/95, art. 50). Portanto,
aplicando-se o entendimento do STJ, o efeito produzido será, no caso, de não suspensão
do prazo de interposição do recurso cabível.
O
prazo de interposição do recurso inominado é de 10 (dez) dias (Lei n. 9.099/95,
art. 42). Observo que o autor foi intimado da sentença em 11.02.2013, com prazo
iniciando-se em 14.02.2013 e terminando em 25.02.2013. Devia, portanto, ter
interposto seu recurso até tal data, sob pena de não recebimento, por
intempestividade.
Observo
que hoje é dia 27.02.2013. Logo, o recurso inominado a ser eventualmente
interposto é intempestivo. Desde já, deixo de recebê-lo e determino à
Secretaria que, por ato ordinatório, intime o recorrente, caso ele venha a
interpor o RI contra este decisum, momento em que poderá buscar, querendo,
junto à Turma Recursal, a prevalência de seus eventuais argumentos, mediante
interposição de expedientes processuais a serem dirigidos diretamente àquele
órgão (agravo de instrumento, mandado de segurança, etc.) durante cuja
elaboração - e análise de cabimento - terá o embargante um excelente momento de
reflexão a respeito dos pressupostos de cabimento dos embargos e do real
significado das expressões nulidade, omissão e contradição, que lhe permitirá,
numa próxima oportunidade em que vier a ser intimado de alguma sentença, melhor
avaliar sobre a presença, ou não, dos pressupostos de cabimento dos embargos
declaratórios, diante da conclusão de que tão mais fácil teria sido,
simplesmente, encaminhar seus reclames recursais ao órgão competente, em vez de
inventar embargos de declaração para finalidades de discutível legitimidade
moral, ética, hierárquica e processual.
Ante
o exposto, NEGO PROVIMENTO aos embargos de declaração.
Condeno
a parte embargante ao pagamento de multa de 1% do valor da causa (CPC, arts.
538).
Havendo
interposição de recurso inominado, intime-se o recorrente por ato ordinatório,
na forma da fundamentação.
Indefiro
desde já e previamente todo e qualquer pedido de reconsideração desta decisão.
Sentença
publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se.
Chapecó,
27 de fevereiro de 2013.
Guilherme
Gehlen Walcher
Juiz
Federal Substituto[2]
É
lamentável que o Juiz tenha decidido sobre eventual apelação em sede dos
embargos de declaração opostos, eis que a decisão deveria ser objeto daquela que decidiu o recurso. Aliás, sobre isso, o Juiz se equivocou gravemente e, mesmo se gabando de ter
sido aprovado em 1º lugar no concurso público, parece não saber que contra a
sentença se interpõe recurso de apelação e, em face da ignorância (desconhecimento)
do sistema dinâmico de normas, mencione equivocadamente o denominado “recurso
inominado”.
O
Juiz, em tese, sob o manto de estar prestando jurisdição, ofendeu a honra
subjetiva do serventuário embargante ao dizer ele deveria ficar no seu lugar de
“burro”. Com efeito, há injúria implícita ao dizer que o embargante detém “brilhantismo
ímpar” e que deve se colocar no seu lugar de Técnico Judiciário, devendo
aguardar o momento da sua aprovação em três concursos públicos para Juiz, para
poder questionar as suas decisões.
Uma
pessoa ocupar um cargo público em que o requisito estudantil para ingresso é o
ensino médio não pode ser objeto de desprezo, assim como não se pode criticar
um defeito físico de pode uma pessoa para lhe ofender a honra, como – em princípio
– se pode extrair da decisão proferida.
A
empáfia do Juiz Federal Substituto que proferiu a decisão transcrita remonta a antiguidade,
em que os Juízes manifestavam as vontades dos deuses, o que é uma pena que
ainda se verifique nos dias de hoje.
[1]
NUCCI, Guilherme de Souza.
Individualização da pena. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.
5.
[2]
Sentença extraída de: http://www.espacovital.com.br/noticia_complemento_ler.php?id=
2752¬icia_id=29166. Acesso em: 1.3.2013, às 12h.
2 comentários:
Sídio,
cheguei ao seu blog justamente em pesquisa sobre a malfadada sentença que desacolheu os aclaratórios (e com a qual também fiquei estupefato).
Sugiro apenas uma correção no seu texto: o recurso, nos Juizados Especiais Federais, é mesmo o Inominado, já que aos JEFs se aplica a lei 9.099/95.
Abraço
Meu caro,
Obrigado, mas ouso discordar, em relação ao denominado "recurso inominado". Com efeito, no tocante à matéria criminal, o art. 92 da Lei n. 9.099, de 26.9.1995, dispõe: "Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei".
O mesmo raciocínio se pode ter em relação à parte civil e, contra a sentença, caberá apelação.
Postar um comentário