Reproduzo
aqui um estudo publicado pelo Tribunal Regional da 1ª Região acerca das
abreviaturas, especialmente para demonstrar como o meio jurídico, acerca da
linguagem, consolidou equívocos inexplicáveis.
A
palavra “número” não deve ser abreviada por “n.º”, o número ordinal “primeiro”
não deve ser abreviado por “1.º”, bem como “folha n.” não deve ser abreviada
por “fls.”. Daí estar reproduzindo parte do estudo e quem tiver interesse em
ver a íntegra poderá consultar na página do TRF/1. Segue o estudo:
Uma dúvida frequente no dia-a-dia de muitos redatores,
percebida neste nosso ofício de revisor do TRF, diz respeito à abreviação de
palavras, mais especificamente à de “número” e seus pares, com...o “página” e
“folha”.
Este O quê do mês trará, acreditamos, elucidações sobre um tema pouco abordado
nas gramáticas e manuais da língua portuguesa — e, quando abordado, não muito
examinado —, talvez por se relacionar diretamente a um tópico que, por vezes, é
colocado em segundo plano: a padronização textual.
Primeiramente, será
importante mostrar ao leitor a diferença entre as três modalidades de
abreviação, ou redução, existentes em nossa língua escrita: abreviatura, sigla
e símbolo.
A abreviatura nada mais é do
que a eliminação de algumas letras de certa palavra ou expressão. Como regra
geral, sempre pedirá o ponto e admitirá a marca de plural. Por exemplo,
abreviamos a palavra “artigo” — uma velha conhecida nossa — suprimindo suas
três últimas letras. No plural, retiramos as mesmas letras e mantemos a final.
Teremos, assim, art. para o singular e arts. para o plural. Na verdade, essa é
uma norma bem simples, mas, por não haver um dicionário abrangente de
abreviaturas da língua portuguesa, gera incerteza quando da redução de palavras
cujas letras iniciais coincidam, tal como se dá com “deputado” e
“departamento”.
No Vocabulário ortográfico
da língua portuguesa — uma publicação da Academia Brasileira de Letras, mais
conhecida como VOLP —, há uma lista de reduções (disponível em http://www.academia.org.br/vocabulario/frame13.htm )...
(...)
A sigla, o segundo tipo de
abreviação, consiste na união das letras iniciais das palavras que formam uma
locução substantiva. Nas primeiras linhas deste nosso artigo, aparece escrito
TRF, que vem das iniciais de Tribunal Regional Federal.
A sigla, ao contrário da
abreviatura, não pede ponto, mas, quando necessário for, deve conter a marca de
plural, expressa pela letra “s” minúscula. Logo, em referência aos cinco
Tribunais Regionais Federais, devemos siglar TRFs, lembrando-nos de que o
apóstrofo visto, eventualmente, entre a sigla e a desinência de plural (TRF’s)
não faz sentido algum, pois integra uma variante da língua inglesa que
estabelece uma relação de posse. Outro exemplo que podemos retirar daqui é
VOLP, realçado em itálico por se tratar de título de publicação.
(...)
Já o símbolo, o terceiro e
último tipo de abreviação, é mera convenção gráfica que representa um conceito
universal, não admitindo ponto nem plural e podendo variar quanto ao uso de
maiúsculas e minúsculas. Serve para expressar unidades de medida (km, h, ℓ, V),
pontos cardeais (N, S, E, W), elementos químicos (O, CO2, Mg, H) e outras
notações como a do “e comercial” (&) e do “cifrão” ($).
Isso posto, entraremos agora
na questão motivadora deste artigo: a abreviação das palavras “número”,
“página” e “folha”. Para “número”, observamos que, na maioria das publicações
oficiais, a redução geralmente grafada é nº ou n.º, esse tal de Ene Bolinha.
Por ser essa uma abreviatura, sabemos que se deve sempre usar o ponto — salvo
os casos peculiares da barra. Com isso, de pronto, percebemos que o primeiro
exemplo (nº) não está de acordo com as normas estabelecidas.
Retomando agora o assunto em
aberto, a “bolinha”, na língua portuguesa, nada mais é do que um sobrescrito da
letra “o”, que nas abreviaturas realça a flexão de gênero. Assim, para “filho”,
redigimos f.º, sabendo que a letra “o” é, sem dúvida, marca de masculino, além
de ser contraste com a desinência de feminino de “filha” (f.ª).
Essas desinências, tanto de
masculino quanto de feminino, também são vistas quando da abreviação de um
numeral ordinal: 1º (primeiro), 1ª (primeira), dispensando-se aqui o ponto por
se tratar de representação numérica, na qual não ocorre a supressão de letras.
No entanto, alguns manuais ortográficos prescrevem o uso do ponto após o número
(1.º) para que se evite uma possível confusão com a representação grau, seja
metrológica, geométrica ou geográfica. Para nós, perigo desse problema ocorrer
não há, pois o contexto jamais nos deixará cair em tal armadilha.
Em uma tendência atual,
recomendamos isolar as letras “a” ou “o” em sobrescrito apenas para fixar a
distinção de gênero: prof.ª (professora) e dr.ª (doutora), formas visualmente
mais apuradas do que as também possíveis Profa. e Dra.
É importante ressaltar que,
nesses casos, especificamente, as abreviaturas relativas ao gênero masculino
devem ser grafadas sem a letra “o” sobrescrita (Prof. e Dr., e não Prof.º e
Dr.º), pois fazem parte de uma classe que os linguistas denominam morfema zero.
Nenhum sentido faz, então,
colocarmos a desinência de masculino na abreviatura de “número”, sendo que a
palavra “númera” não existe em nossa língua. Abreviar dessa maneira seria o
mesmo que para “página” usar p.ª, forma que ninguém aplica. Vemos, sim, na
maioria dos casos, “página” ser abreviada como p. ou pág., mas nunca com a
desinência de feminino, o que esboçaria uma oposição a “págino”. O mesmo
acontece com “folha”, tendo-se f., fl. ou fol. como redução.
(...)
Agora que já sabemos que o
sensato é grafar n. em vez de n.o, fica uma questão quando essa abreviatura
compõe leis, resoluções, atos, portarias, processos etc.: usá-la ou não usá-la?
Ou seja, Lei n. 8.112 ou Lei 8.112? Aqui, notamos que o uso da abreviatura é
optativo, pois sua omissão não causa prejuízo ao entendimento do leitor. Todos
saberão que 8.112 é o número da lei.
Sem a intenção de oferecer
um tratamento absoluto ao tema — provocador de múltiplas opiniões por
necessitar da escolha e adoção de medidas —, esperamos que este O quê do mês
auxilie, de alguma maneira, os leitores na composição de textos oficiais.
Fica aqui a minha crítica pública à abreviação da
palavra “número” por "nº" ou "n.º", eis que não existe a
palavra "númera".
[1] CUNHA,
Renato. Esse tal de ene bolinha. Brasília? TRF/1, O quê do mês, n. 7, Jun.
2006, p. 8. Disponível em: <http://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/publicacoes/lingua-portuguesa/o-que-do-mes.htm >.
Acesso em: 9.4.2015, às 12h13.